sexta-feira, abril 07, 2006
A missão quase impossível de combate ao cibercrime
Dra. Isabel Meirelles
"Apesar de todos os esforços e desta novidade de actuação judicial, há que lançar uma campanha de informação e de consciencialização sobre a ilegalidade de «downloads» e «uploads» de música da net, protegida por direitos de autor.
A Associação Fonográfica Portuguesa apresentou, pela primeira vez, à Polícia Judiciária vinte e oito queixas-crime contra utilizadores desconhecidos que fazem «downloads» de música, mas também contra aqueles que são responsáveis pelos «uploads», ou seja pela disponibilização na web de faixas de música protegidas por direitos de autor, que visam utentes, designadamente de programas que permitem a troca de ficheiros, como o Emule, Kazaa e limewire.
Trata-se de uma acção concertada com a Federação Internacional da Indústria Fonográfica que já intentou acções judiciais contra 25 mil pessoas, das quais 5 mil e quinhentas na Europa e que abrangeram, indiferenciadamente, pessoas como um carpinteiro na Finlândia ou um juiz na Alemanha.
O que está aqui em causa é um comportamento reiterado de impunidade que tem, por isso, vindo a fazer perder consciência da sua ilicitude. É que fazer ilegalmente «downloads» de músicas constitui violação dos direitos de autor protegidos pela propriedade intelectual, o que corresponde a furtar os artistas que assim se vêem privados da remuneração do seu trabalho de criação.
No entanto, para que se começasse a desencadear este tipo de estratégia judicial, foi preciso que a indústria portuguesa se visse privada de cerca de 40% da venda de CD nos últimos quatro anos, dado que a troca se faz, sobretudo entre os jovens, através da Internet, alguns dos quais não têm sequer consciência do ilícito que praticam.
Ora a Constituição da República Portuguesa consagra o princípio da liberdade de criação cultural, compreendendo o direito à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a protecção dos direitos de autor, podendo a obra ser divulgada de maneiras diversas e com vários suportes, incluindo na Internet. Daí que neste caso o controlo do respeito por estes direitos seja extraordinariamente difícil, sobretudo porque estão acessíveis a milhões de pessoas que, sem autorização, utilizam, reproduzem e até mutilam ou adulteram as obras.
Por outro lado, um dos princípios fundamentais do direito de autor é a territorialidade pelo que em Portugal, nos termos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos as obras de autores estrangeiros ou que tiverem como país de origem um país estrangeiro, em regra, só beneficiam de protecção da lei portuguesa se houver reciprocidade. O que significa que a obra musical de uma autor brasileiro só é protegida se o Estado do Brasil der aos autores portugueses, idêntica protecção.
E a dificuldade reside também neste facto, de cada país ter a sua legislação, ou no limite, não ter sequer regulamentação, o que impossibilita a adopção de medidas eficazes contra as violações cometidas.
Neste sentido, os Estados e a União Europeia tomaram consciência que as legislações tradicionais nesta matéria dificilmente se aplicam às novas realidades da sociedade de informação e, à falta da utópica harmonização mundial, procederam, através de directiva própria, à harmonização de certos aspectos dos direitos de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação, o que implicou, em virtude da transposição para a nossa ordem jurídica interna daquele acto comunitário, alterações legais.
Apesar de todos os esforços e desta novidade de actuação judicial, há que lançar uma campanha de informação e de consciencialização sobre a ilegalidade de «downloads» e «uploads» de música da net, protegida por direitos de autor.
Também porque, nos termos da lei, quem utilizar uma obra sem o consentimento do seu autor, nomeadamente reproduzindo-a ou copiando-a, está a praticar o crime de usurpação, punido com pena de prisão até três anos e multa de 150 a 250 dias.
A ser possível cumprir o preceito legal, as prisões ficariam cheias e os cofres recheados?"
in Jornal de Negócios
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