quinta-feira, abril 13, 2006

A propósito do novo mapa judiciário


Diogo Lacerda Machado
Barrocas Sarmento Neves - Sociedade de advogados

"O trabalho de reordenamento da implantação territorial dos tribunais e dos demais serviços de justiça está por fazer há décadas.

Excepcionalmente, neste âmbito o atraso da justiça até nem diverge muito do óbvio problema geral da inadequação do actual modelo de organização política e administrativa à realidade do País, cuja ineficiência na satisfação das necessidades das populações e das pessoas - com contribuição certamente mensurável no desequilíbrio das contas públicas - se agravou por inércia, falta de vontade ou obstrução de oportunas intervenções reformadoras.

No que à justiça importa, a democracia política, as boas mudanças sociais dela consequentes, a evolução demográfica, com a concentração urbana da população, e a democracia económica, iniciada em 1986 com a promoção dos cidadãos à condição de agentes económicos, conduziram muito rapidamente ao completo absurdo na distribuição dos recursos. Ilustrativamente, se em 12 ou 13 comarcas das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, onde pendem 70 por cento dos processos judicias, estão 30 por cento dos recursos humanos, já no conjunto das restantes duzentas e poucas comarcas estão setenta por cento dos recursos humanos ocupados com os restantes 30 por cento de processos judiciais. Esta (des)organização estrutural, agravada pela ausência de gestão dos tribunais e dos respectivos conjuntos territoriais como unidades funcionais integradas - que nem os juízes nem o Conselho Superior da Magistratura, que tive a honra de integrar há alguns anos, sabem e devem assegurar -, tem reflexos similares quer no dinheiro (mal) investido e (mal) gasto na despesa corrente quer na repartição dos equipamentos e dos demais meios de produção.

Foi para encarar com profundidade e fôlego problemas destes que na reforma orgânica do Ministério da Justiça de 2000 apareceram como novos instrumentos o Gabinete de Planeamento e Política Legislativa, o Instituto de Gestão Patrimonial e Financeira da Justiça e o Gabinete de Auditoria e Modernização. A necessária profundidade viria dos estudos e propostas que, sem demoras inúteis, apontassem diagnósticos, prognósticos, planos, projectos, meios, responsabilidades e cronologias de realização. O fôlego indispensável serviria para manter a frieza analítica e a paciência explicativa no diálogo com os adversários da mudança, especialmente útil quando a divergência chegasse ao beco da irracionalidade dogmática das "convicções muito fortes".

Porém, na retoma das tarefas de elaboração de um novo mapa judiciário iniciadas por governos anteriores, o mais importante é pedir que se evite o erro de servir as exigências de 1974, de 1986 ou mesmo de 2006 e que, com arrojo, se prefira preparar já 2015 ou 2020."

in Diário de Notícias

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