segunda-feira, abril 24, 2006

Supremo


Eduardo Dâmaso
Editorial in Diário de Notícias

"Um acórdão polémico sobre um caso de maus tratos a jovens deficientes voltou a colocar o Supremo Tribu-nal de Justiça na linha de fogo. A instância suprema da justiça portuguesa é conotada com um insuperável conservadorismo que faz dela uma espécie de último guardião de um tempo que já não existe.

Na verdade, passadas três décadas de democratização da sociedade portuguesa, o Supremo ainda é muito olhado como uma instituição que funciona segundo um paradigma do passado. Um lugar onde impera uma visão estreita da evolução social e dominado por uma mentalidade própria dos velhos poderes que emanam da arquitectura tradicional do Estado, ou seja, que vivem alheados das realidades emergentes.

A revolução tecnológica criou novas linguagens e até novas instâncias de socialização, como a televisão, que ameaçam devorar bastiões tradicionais de aprendizagem e integração no mundo, como a escola e a Igreja. Criou sobretudo um tempo real de discussão e resolução dos conflitos que não se compadece com os velhos dogmas de uma justiça pesada, lenta, ineficaz e atravessada por rituais, quer de natureza processual quer de linguagem, completamente ultrapassados. É em tudo isso que pensamos de cada vez que falamos do STJ.

Em parte, o STJ é tudo isso, mas é injusto reduzi-lo em absoluto a essa última instância do conservadorismo social. Aos poucos, foram entrando no STJ magistrados cuja formação foi feita no pós-25 de Abril e foram-se jubilando muitos dos que vinham dos tempos em que a justiça era uma das mais implacáveis representações da ditadura. O STJ mudou, ainda que timidamente, como quase tudo na sociedade portuguesa. Isso é, aliás, bem visível na forma como os sobressaltos provocados por decisões anacrónicas foram adquirindo uma dimensão de excepcionalidade.

A mudança que resultou de uma transição geracional não operou, porém, uma alteração significativa das formas de funcionamento e da sua estrutura organizativa. Hoje como ontem, o STJ necessita de erradicar alguma opacidade nos métodos de eleição do presidente, de trabalho e de comunicação com o país. Só com mudanças sérias conseguirá ganhar uma respeitabilidade assente em pressupostos de modernidade e não meramente em função de uma sisudez autoritária, expressa na forma como o seu actual presidente fala sobre a justiça e o país."

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