domingo, abril 23, 2006

“Lei do CEJ deve ser profunda e radicalmente alterada”


Desde 2004, ano em que ocupou o cargo de directora do Centro de Estudos Judiciários, que a sua preocupação número um foi levar a cabo uma reforma curricular, em vigor até hoje. Para Anabela Miranda Rodrigues, é necessário assegurar todas as condições para que os magistrados tenham uma formação sólida e adaptada às exigências da sociedade actual.

Pela primeira vez está à frente do Centro de Estudos Judiciários um professor universitário e não um juiz, o que causou algum mal-estar na «classe dos juízes». Para Anabela Miranda Rodrigues o CEJ, que é uma instituição que forma juízes e magistrados do Ministério Público, nunca tinha conhecido como director um não magistrado, e foi isso “do meu ponto de vista, o que esteve na base de alguma turbulência. O factor “novidade” foi o que pesou, em meu entender, e hoje tal assunto está completamente ultrapassado.”

O que ainda não está ultrapassado mas que está a ser ponderado poder ser revisto, numa futura reforma da Lei do CEJ, é a espera “obrigatória” de dois anos que os «candidatos a juízes ou magistrados» têm que fazer entre a conclusão do curso de Direito e a entrada para o CEJ. Anabela Miranda Rodrigues considera “que esse é um dos aspectos a ser revisto numa futura reforma da lei do CEJ. Tem vindo a gerar-se um consenso alargado em torno da ideia de que a maturidade não se ganha com essa “espera obrigatória” e durante a qual, muitas vezes, o objectivo “pouco firme” de entrar para a magistratura se desvanece. Se acrescermos a isto que é por vezes o sucesso alcançado com outras experiências que afasta os jovens do caminho da magistratura, compreende-se que esta não é a melhor forma de fazer a selecção”. Nesta altura, o que se passa a nível de formação de magistrados, no CEJ, começa, desde logo, com “exigências da prática judiciária e do que é ser magistrado hoje, o CEJ preparou e levou a efeito uma reforma curricular – já em vigor –, que tem em conta precisamente a aquisição e desenvolvimento de competências técnicas e pessoais adaptadas às novas realidades. Note-se que o currículo tradicional era estruturado em torno de quatro grandes áreas – Civil e Comercial, Penal, Família e Crianças, Trabalho e Empresas. E, hoje, a inovação da complexidade social, o alargamento das fronteiras do Direito – a integração no espaço da União Europeia, desde logo –, a intersecção do agir judiciário com o desenvolvimento económico ou as tecnologias de informação e de comunicação, não podem deixar de ser tidas em conta na formação. O que fizemos foi, então, estruturar um curriculum em que se introduziram novas disciplinas, jurídicas e outras não jurídicas, com espaço curricular autónomo e peso na avaliação. Estou a pensar, por exemplo, nas disciplinas jurídicas de Direito Internacional e da União Europeia, Direitos Fundamentais ou Organização e Gestão do Inquérito, e em disciplinas não jurídicas como Medicina Legal, Psicologia, Contabilidade, Técnicas de Informação e de Comunicação. Não quer dizer que não fossem já tidas em conta na formação, através de seminários. Mas o que agora se fez foi incluí-las no programa de estudos. O elevado perfil de exigência da prática judiciária, hoje em dia, que obriga a um olhar em direcção a vários azimutes, impunha esta reforma.

Mas há mais! O quadro legal em que se desenvolve a formação é desadequado e desajustado às exigências actuais. E isto é verdade não só para a formação – aqui incluída também a formação contínua –, como ainda do ponto de vista orgânico e funcional. A este propósito dou-lhe um exemplo. É sabido como hoje a formação ao longo da vida é um aspecto fundamental da formação: ora as estruturas físicas e humanas de que dispomos para a organizar são manifestamente insuficientes e desadequadas. Outro exemplo: ninguém duvida hoje da importância dimensão internacional da formação. Ora o “chamado” departamento de relações internacionais do CEJ conta com um coordenador, uma secretária e dois docentes, que mantêm a sua actividade de docência e de intervenção em todas as actividades do CEJ a tempo inteiro. Como já uma vez disse, a lei do CEJ deve ser profunda e radicalmente alterada. E o que é novo é o facto de o CEJ estar empenhado em contribuir para essa alteração legislativa. Para isso, está já a funcionar um grupo de trabalho, constituído por directores distritais, docentes do CEJ e formadores dos tribunais, coordenado pela direcção, que tem em vista a elaboração de um “documento orientador para a reforma da lei do CEJ”, a apresentar ao Ministro da Justiça e aos Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público no último trimestre deste ano. Ao mesmo tempo, vamos promover um amplo debate público, nos dias 8 e 9 de Maio, com a participação dos Conselhos, Ordem dos Advogados e Universidades, para além de numerosas pessoas que se têm distinguido pelo pensamento a propósito do tema da formação de magistrados, ou em áreas a ela ligadas. Neste projecto procuramos conjugar a reflexão interna, rica da experiência de 25 anos de formação, com a abertura à participação da comunidade, sendo, como é, a administração da justiça um assunto da comunidade.”

Estas e outras questões são abordadas, pela primeira vez em entrevista, pela directora do Centro de Estudos Judiciários, amanhã no Justiça & Cidadania.

in O Primeiro de Janeiro

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