domingo, abril 30, 2006
Freud: Aventureiro e descobridor
«Freud morreu», «O mito da psicanálise chegou ao fim»: ciclicamente, com uma convicção e uma hostilidade crescentes, estas declarações de óbito são pronunciadas em livros, revistas, páginas de jornais, alimentando uma discussão que, nos Estados Unidos, foi baptizada nos anos 70 com o nome de «Freud wars».
Nesta guerra, chega-se com frequência a uma argumentação vazia e circular: os seguidores e defensores do fundador da psicanálise respondem que a reacção sem fim contra Freud confirma o poder das suas teorias; os detractores replicam que esse poder é o de um saber protegido de maneira totalitária e que, muito embora circunscrevendo o seu método, o seu objecto e o seu campo de acção específicos como uma ciência, a psicanálise se construiu como uma máquina teórica, blindada pelas provas que ela própria produz. Amigos e inimigos (esta divisão dos campos remete para a ideia de Sandor Ferenczi, discípulo de Freud, de fundar uma sociedade dos amigos da psicanálise) construíram ao longo do século XX a lenda de Freud e deram-lhe a persistência de um fantasma. A psicanálise permaneceu como algo inquietante (na linguagem dos conceitos de Freud «unheimliche»), mesmo para os seus defensores: um pensamento em conflito consigo próprio, produzindo um texto para ser decifrado, reinterpretado, reescrito. Freud como lenda também significa, como nos lembra o crítico e filósofo americano Samuel Weber num livro famoso (The Legend of Freud, 1999), legenda est, para ser lido.
A resistência à psicanálise faz parte da sua história logo a partir do momento em que nasceu. Tem valor inaugural um juízo proferido em 1896 por um famoso médico austríaco, especialista de psicopatologia sexual, Richard von Krafft-Ebing, quando Freud apresentou os seus estudos sobre a origem da histeria: «Soa como um conto científico». E em 1910, uma década depois da publicação de A Interpretação dos Sonhos, as autoridades da medicina esclareciam que «a psicanálise não é objecto de discussão para um congresso científico mas um caso de polícia». Em resposta a esta resistência, Freud começou a apresentar a psicanálise como «a causa» («die Sache») a partir do momento em que as suas ideias encontram abertura para uma internacionalização (em 1906, os festejos do cinquentenário do nascimento de Freud são um marco importante desta nova etapa).
Por António Guerreiro, in "ACTUAL" (Versão integral na edição escrita nº 1748)
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário