domingo, abril 30, 2006

"Freud salvou-me", recorda a última paciente viva do pai da psicanálise


Aos 88 anos, a escultora vienense Margarethe Walter tem ainda intacta a memória do homem que lhe "salvou a vida", em 1936. Na altura ela tinha 18 anos, sofria de bronquite e, sobretudo, de um "grande mal da alma". O médico decidiu mandá-la então ao especialista mais famoso - e polémico - da época, que tinha o consultório no 19 da Rua Berggasse, em Viena. O especialista chamava-se Sigmund Freud, e "curou-a" em 45 minutos.

Margarethe é a última paciente ainda viva do "pai da psicanálise" e acedeu agora pela primeira vez a contar publicamente a sua história ao semanário alemão Die Zeit, que a procurou e entrevistou. Uma forma original de comemorar os 150 anos do nascimento de Freud, que se cumprem no próximo domingo.

"Sigmund Freud foi a única pessoa que verdadeiramente me escutou", garante a escultora, que vivia subjugada por um pai autoritário. "Freud é a chave da minha vida. (...) Abriu em mim uma porta que ninguém tinha querido abrir antes", conta Margarethe ao Die Zeit, sublinhando ter "saboreado tudo" o que Freud lhe transmitiu. "Essa fonte de alimentação da alma nunca se esgotou em 70 anos. Salvou-me a vida."

Nesse ano de 1936 do século passado, Freud estava já na recta final da sua vida. Morreria três anos depois, já no exílio, em Londres, logo após o início da II Guerra Mundial.

Para trás ficava uma vida de trabalho original sobre a mente humana, que o médico de Viena foi sempre reelaborando e transformando, e que acabou por revolucionar a história do pensamento, repercutindo-se até hoje nas ciências, nas artes e na cultura.

Da linguagem comum à literatura, das manifestações artísticas às correntes filosóficas, os conceitos psicanalíticos são hoje indissociáveis da cultura ocidental, ainda que muitos dos seus agentes o rejeitem com fúria, ou o senso comum lhes deturpe o significado, ao sabor dos pequenos conflitos quotidianos.

Mas, nesse ano distante de 1936, Margarethe Walter ainda não podia saber nada disto. Sabia, isso sim, que se sentia só, "muito oprimida, fechada e certamente não amada". Vivia então com o pai, "muito autoritário", de quem era "completamente dependente".

O seu encontro com Freud, embora curto, foi libertador. Margerethe recorda "um homem muito velho, mas cheio de força". Tinha "uma pequena barba branca, um fato cinzento e estava um pouco curvado".

O relato da escultora prossegue, sempre vívido. "Olhou-me de frente nos olhos, profundamente." Depois encorajou-a a desligar-se do pai, que a acompanhava nessa consulta, e a quem ele próprio pediu na ocasião para "sair da sala".

Freud disse então as palavras mágicas, segundo a sua última paciente viva: "Para se chegar a adulto é preciso atender aos desejos, alimentar a contradição, colocar a questão do 'porquê', não aceitar tudo em silêncio". A julgar pela memória que guarda desse encontro decisivo, Margarethe deve ter seguido o conselho. Mas não conta como o fez.


in Diário de Notícias

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