sexta-feira, abril 14, 2006

Irresponsabilidade


António José Teixeira

"A falta de quórum para votação na quarta-feira apanhou em falta 120 deputados, boa parte deles sem justificação aceitável e que resolveu tão-só gozar um fim-de-semana alargado sem cuidar dos seus deveres. A condenação deste comportamento é geral e colocou uma vez mais a imagem dos deputados ao nível da delinquência.

É injusto julgar os deputados, e ainda mais o sistema político, considerando apenas a assiduidade dos representantes da Nação na Assembleia da República. Provavelmente, o absentismo não será o factor mais negativo na avaliação que possamos fazer da qualidade do trabalho parlamentar. A preparação e experiência, a autonomia, o envolvimento no trabalho parlamentar, a atenção aos problemas dos eleitores, a prestação de contas aos representados, a capacidade de fiscalização dos governos e a qualidade da produção legislativa são decerto mais importantes. Mas num tempo em que o discurso antipolítico ganha adeptos, quando os partidos se mostram incapazes de mobilizar os eleitores e de, crescentemente, os representar, a displicência com que os deputados encaram o trabalho parlamentar não pode deixar de chocar os eleitores mais tolerantes. Até os mais resistentes ao discurso demagógico dos que, com pretexto ou sem ele, costumam identificar deputados com inúteis têm dificuldade em fechar os olhos à esperteza. A simples ideia, tornada realidade, de que há muitos deputados que assinam o ponto e desaparecem para tratar da vida (da sua vida), ou a constatação de que muitos parlamentares esperam que os colegas do lado assegurem o quórum para dissimularem a sua ausência são assustadoras por espelharem uma irresponsabilidade intolerável.

Nem todos os deputados são iguais. Há muitos que se esforçam, estudam e procuram respostas para os problemas da Nação. Nota-se que as primeiras filas das bancadas parlamentares revelam alguma qualidade e responsabilidade. Sabe-se que os deputados não dispõem das melhores condições para encontrar respostas capazes. Ainda assim dispõem das condições suficientes para darem um melhor exemplo ao País. O discurso de exigência que ouvimos repetir em tantas tribunas não pode ser levado a sério quando constatamos expedientes flagrantes de irresponsabilidade continuada. O pior de tudo o que aconteceu esta semana na Assembleia da República foi o contributo que os deputados deram para o descrédito das instituições democráticas. Seria sensato pensar que os deputados não fossem obrigados a assinar o ponto. Afinal, são depositários da soberania popular. A partir de agora, talvez devessem assinar o ponto não apenas de manhã, mas também à tarde. Assim vai a irresponsabilidade, assim se semeia a abstenção eleitoral e assim se abre caminho ao populismo sem escrúpulos."

in Diário de Notícias (Editorial)

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