segunda-feira, abril 24, 2006
A última instância do conservadorismo judicial
"A justiça depende mais dos juízes do que das leis que eles aplicam." A frase de José Azeredo Perdigão, antigo presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, foi colocada no blogue granosalis.blogspot.com pelo juiz-conselheiro Manuel Simas Santos cinco dias após o início da polémica à volta de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) sobre um caso de ofensas corporais e maus tratos a jovens deficientes numa instituição em Setúbal. Foi na sequência dessa controvérsia que os juízes do STJ voltaram a estar sob fogo: conservadores, distanciados da realidade e do conhecimento científico, antiquados - estes foram alguns dos carimbos que resultaram das inúmeras interpretações do referido acórdão.
Serão assim os 60 juízes que compõem o quadro do STJ, cuja média de idades ronda os 50 anos? Cristalizaram? Não são capazes de, como já previa o Decreto-Lei 374-A/79, que criou o Centro de Estudos Judiciários, estar "definitivamente disponíveis e atentos à evolução do homem e da sociedade"?
Para Paulo Rangel, ex-secretário de Estado da Justiça e professor de Direito Constitucional, algumas polémicas em torno de decisões da mais alta instância judicial portuguesa devem-se, essencialmente, a duas questões: à complexidade do direito, enquanto "ciência dogmática, com as suas regras próprias, complexa e de alguma opacidade"; e ao "divórcio entre os conceitos jurídicos e a linguagem comum". Neste aspecto, entra a dimensão pessoal do juiz e a possível "divergência entre uma moral geral e a mundividência dos juízes". Paulo Rangel exemplifica: "A expressão 'bom pai de família' devidamente interpretada não tem problema nenhum. O que mudou foi o conceito de família."
Pedro Bacelar de Vasconcelos, professor de Direito Constitucional da Universidade do Minho, também considera que a complexidade do direito distorce algumas discussões, mas o papel do julgador não é esquecido: "Os magistrados são há anos um corpo autónomo na sociedade com uma tendência conservadora." "Se os juízes foram formados num caldo conservador, é natural que as suas decisões reflictam isso", acrescenta João Paulo Dias, sociólogo do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.
"Hoje a formação permanente é essencialmente dirigida aos juízes mais novos, quando deveria ser aos mais antigos. Os mais jovens já estão mais sensíveis do que os mais velhos para os novos problemas, como o direito do ambiente e de consumo", acrescentou ao DN o sociólogo.
Já Rui do Carmo, magistrado do Ministério Público, diz que "uma forma de misturar gerações no STJ" passaria por "acabar com esquema de subida piramidal por antiguidade na carreira".
Paulo Rangel admite uma tendência conservadora no Supremo Tribunal, mas adianta haver outras progressistas: "Em matérias mais sensíveis, uns decidem num sentido, outros em sentido contrário. Tanto aparecem decisões extremamente progressistas como conservadoras." Sinal de equilíbrio? "Não", responde. "O facto de haver decisões para todos os gostos faz com que haja uma espécie de astrologia. Ou seja, consoante a secção, tenta-se adivinhar o sentido da mesma."
Pode haver também casos em que decisões de um mesmo juiz suscitem reacções diferentes. Em 2000, o juiz Anselmo Lopes provocou grande polémica devido a um conjunto de decisões contrárias à adopção, invocando um conjunto de argumentos considerados arcaicos.
Hoje, já na qualidade de juiz desembargador do Tribunal da Relação de Guimarães, ninguém o "condenaria" por ter mantido uma pena efectiva a um homem condenado por maus tratos à cônjuge, num acórdão em que disse isto: "Agredir alguém seja em que circunstâncias for é um acto selvagem e cruel, tornando-se bárbaro, reles e odioso quando a agressão é praticada em alguém que está ligado ao agressor por laços (ditos) familiares". É fazer apostas e esperar o resultado.
in Diário de Notícias
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