domingo, abril 23, 2006

Tribunal de Contas controla gestores


Os relatórios do Tribunal de Contas (TC) vão incluir o nome dos gestores responsáveis pela má gestão dos dinheiros públicos, que terão de os repor integralmente, do seu próprio bolso, caso se comprove que foram mal gastos. Até agora, estes gestores públicos escapavam ao crivo da instituição encarregue de controlar e fiscalizar as contas do Estado.

Trata-se de “identificar infractores e a partir daí tirar-se as devidas consequências”, à semelhança do que já se passa com os quadros dirigentes da Administração Pública, explicou ao Correio da Manhã o presidente do Tribunal de Contas, Guilherme de Oliveira Martins.

A responsabilização e penalização dos gestores públicos é apenas uma das alterações da nova lei orgânica do TC que deverá ser discutida em breve na Assembleia da República. A nova lei visa não só reforçar mas também ampliar os poderes de fiscalização sobre a forma como é gasto o dinheiro dos contribuintes.

“Vamos perseguir os dinheiros públicos onde quer que eles se encontrem”, garante Oliveira Martins. Ou seja, ir atrás do dinheiro mal gasto quer pelos gestores quer pelas empresas criadas pela Administração Pública exclusivamente para escapar à alçada do TC.

Apesar dos termos claros e inequívocos usados pelo Tribunal na classificação dos actos de gestão, ninguém era responsabilizado e muito menos penalizado.

MÃO PESADA

A partir de Outubro, os relatórios identificarão responsáveis que, se não seguirem as recomendações do Tribunal no prazo indicado, serão penalizados com sanções que podem ir até aos 2500 euros. Apesar de sublinhar que irá privilegiar a “via das recomendações”, Oliveira Martins é categórico em sublinhar que só o fará no caso das irregularidades leves.

Quando forem detectadas infracções financeiras graves, a recomendação dará lugar a uma acção que poderá culminar com a reposição, do próprio bolso do gestor, dos valores gastos indevidamente.

E “não haverá limites para estes valores”, garante Oliveira Martins, admitindo que possam chegar às dezenas de milhares de euros.

Para além dos gestores públicos, o TC quer também chegar a algumas empresas que, pela forma como foram criadas, visam apenas “esconder” as contas do órgãos fiscalizador.

“Há empresas que vivem dos dinheiros públicos mas que são criadas apenas para fugir à fiscalização”, indigna-se o presidente do TC. “São biombos onde se esconde os dinheiros dos contribuintes”, conclui Oliveira Martins.

Se tudo correr como o previsto, o documento entrará em vigor com o novo ano judicial.

CIDADÃOS VÃO PODER PROCESSAR RESPONSÁVEIS

Os cidadãos, sozinhos ou em associação, vão poder levar a julgamento irregularidades detectadas nas auditorias das inspecções-gerais do Estado ou nos relatórios do Tribunal de Contas. Até agora, esta possibilidade era um exclusivo do Ministério Público, explicou ao CM o presidente do Tribunal de Contas, Guilherme Oliveira Martins.

Esta nova regra poderá ser fundamental em situações que envolvam auditorias a instituições que lidam directamente com os cidadãos, como por exemplo as da saúde ou finanças.

Qualquer cidadão que mostre ter “interesse e legitimidade”, quer esteja no interior da Administração Pública quer esteja fora, poderá usar as auditorias das inspecções-gerais da Administração Pública ou do TC para desencadear processos judiciais na 3.ª secção do Tribunal de Contas.

Uma medida que visa, segundo o presidente do Tribunal de Contas, aproximar “o tribunal dos cidadãos”. Esta é uma abertura que favorece a “credibilização do próprio Estado”, considerou Jorge Morgado, da Deco, que defende “tudo o que signifique uma maior transparência no relacionamento com os cidadãos”.

É que estes, explica, defrontam-se muitas vezes com dificuldades no acesso aos relatórios produzidos pelo próprio Estado.

Por outro lado, sublinha Jorge Morgado, “é importante que os consumidores sintam que o Tribunal de Contas é uma estrutura de racionalidade na utilização dos dinheiros que colocam na mão do Estado”.

APONTAMENTOS

FUNÇÕES

O Tribunal de Contas é o órgão supremo e independente de controlo externo das finanças públicas. Entre outras funções, tem de dar autorização prévia aos contratos públicos (visto), fiscalizar a gestão das verbas e pronunciar-se sobre as Contas do Estado.

CONTROLADOS

Estão sujeitas ao controlo do Tribunal todas as entidades que administram dinheiros públicos, em especial os serviços e organismos da Administração Pública (Central, Local e Regional) mas também empresas públicas, associações e fundações: ao todo são 12 206 entidades.

JUÍZES

Instalado em Lisboa, mas com delegações nos Açores e na Madeira, conta com 18 juízes, entre os quais com os únicos do País que não são licenciados em Direito. Tem três secções, uma delas exclusivamente dedicada a julgamentos de responsabilidades financeiras.

RECUSADOS

O Tribunal de Contas analisou o ano passado 3274 processos relativos a actos e contratos correspondentes a 4,4 mil milhões de euros. Recusou 82 processos, correspondentes a 115 milhões de euros, e visou os restantes.

CONDENADOS

O Tribunal proferiu 12 sentenças condenatórias, em 2005, tendo ordenado a reposição de 35 256 euros e aplicado penalizações no valor de 5200 euros.

Por Raquel Oliveira, in Correio da Manhã

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