quarta-feira, abril 05, 2006

"PJ não pode estar ao sabor dos jogos de poder", diz presidente da associação de juízes


O combate ao crime de colarinho branco vai ser a prova de fogo da nova direcção da PJ. Alípio Ribeiro deverá reconduzir pelo menos cinco elementos e preencher os restantes lugares - o mais importante será o do sucessor de Mouraz Lopes.

O combate à criminalidade económica vai ser um teste à credibilidade e eficácia da nova equipa liderada por Alípio Ribeiro, numa altura em que estão pendentes investigações sensíveis e há um reconhecido défice na capacidade operacional da instituição, devido aos estrangulamentos financeiros que a têm flagelado. Ao cenário de penúria soma-se o do agastamento dos magistrados judiciais pela forma como foi demitido o conselheiro Santos Cabral. "PJ não pode estar ao sabor dos jogos de poder ministeriais", frisa o desembargador António Martins, presidente da associação dos juízes.

Ontem, em Aveiro, o ministro da Justiça, Alberto Costa, afirmou que esperava uma dinamização da acção contra o crime, nomeadamente económico, e contra o terrorismo. Um desejo que só poderá ter consistência se Alberto Costa aumentar consideravelmente o financiamento da Judiciária. Daí que as expectativas sejam grandes. Indiferente a isso, ou talvez não, durante o dia de ontem, Alípio Ribeiro, o novo director nacional, prosseguiu os contactos para a formação da sua equipa.

Os novos responsáveis devem incluir alguns membros da estrutura que foi liderada pelo conselheiro Santos Cabral. Esse será o caso de José Braz, Teófilo Santiago e de três magistrados do Ministério Público (Baltazar Pinto, Pedro do Carmo e Vítor Guimarães). Uma das escolhas mais delicadas de Alípio Ribeiro será a do sucessor de José Mouraz Lopes, até anteontem responsável da Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira (DCICCEF).

A importância do combate à corrupção

Seja magistrado ou investigador de carreira, o novo rosto da DCICCEF terá de ser um líder bem preparado para catalisar a acção dos investigadores. E também ser dotado de uma personalidade que se não deixe enlear nem aturdir com a dimensão e poder dos suspeitos sob investigação. Predicados necessários numa conjuntura caracterizada por tentativas de minimização de riscos por parte dos políticos e titulares de cargos públicos, um dos grupos de risco da corrupção, como internacionalmente é reconhecido.

Um exemplo dessa tentativa de imunização judicial será a proposta surgida no seio da Unidade de Missão para a Reforma Penal para a criação de um foro próprio para os políticos. Revisão que visa alargar a todo o universo político a prerrogativa que constitucionalmente só é reconhecida ao Presidente da República, que "responde perante o Supremo Tribunal de Justiça", "por crimes praticados no exercício das suas funções".

Aquela mudança tem sido contestada por juristas e, recentemente, o conselheiro de Estado e ex-líder do PSD Marcelo Rebelo de Sousa não hesitou em rejeitar a criação de um foro próprio para os políticos e em definir aquela e outras iniciativas como uma espécie de "ajuste de contas" da classe política. A oposição tem sido grande e é muito provável que a proposta acabe por vir a ser abandonada pelos seus defensores.

Se esta mudança é previsivel, mais complexa será a alteração dos constrangimentos financeiros da Polícia Judiciária, que têm impedido a realização de diligências no estrangeiro e implicado a perda de operacionalidade da logística da Judiciária. Há carros avariados e sem conserto por falta de dinheiro. Esteve em risco o próprio abastecimento de combustível por atrasos no pagamento.

Neste cenário de penúria, pouco fiados na modernização da gestão preconizada pelo ministro Alberto Costa, os investigadores desejam o fim deste ciclo de "vacas magras", que esteve na origem da demissão do conselheiro Santos Cabral. A pergunta mais ciciada pelos gabinetes é: "Que garantias obteve Alípio Ribeiro do fim do subfinanciamento da Polícia Judiciária?"

"As polícias precisam de estabilidade"

A demissão do conselheiro Santos Cabral foi ontem comentada pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, conselheiro Nunes da Cruz. Em declarações à Lusa, Nunes da Cruz afirmou: "Se as razões que Santos Cabral apontou são verdadeiras, aceito que de facto teria que tomar uma atitude idêntica à que tomou." O presidente do STJ recordou ainda que, quando da nomeação de Santos Cabral, discordou. "Não gostei muito que um magistrado judicial, designadamente um conselheiro, fosse para a PJ e na altura e manifestei-me contra."

O desembargador António Martins, novo presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, exprimiu em declarações ao PÚBLICO sentimentos aparentemente contraditórios. Classificou a demissão de Santos Cabral como uma "perda para a PJ" e, simultaneamente, "um ganho" para a judicatura. "Regressa com toda a sua qualidade e saber ao STJ", disse António Martins, que já foi director nacional adjunto da PJ.

O desembargador está preocupado com a "situação de instabilidade" da PJ. "As polícias precisam de estabilidade", sublinhou, enaltecendo ainda virtudes do exercício por juízes de cargos Judiciária. "Ainda bem que na direcção da PJ há juízes, porque mostraram e mostram capacidade para recusar situações que se lhe afigurem incorrectas no plano ético." "O que espero é que este tipo de situações se não repitam." "A PJ não pode estar ao sabor de jogos de poder ministeriais para ver quem manda em quê."


Fonte: PUBLICO.PT

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