segunda-feira, abril 10, 2006

Júdice diz que actual bastonário é o mais criticado de sempre


O ambiente que se vive na Ordem dos Advogados (OA) é cada vez mais tenso. A troca de acusações sobe de tom e as farpas lançadas pelo bastonário, Rogério Alves, e por José Miguel Júdice e seus apoiantes sucedem-se. Este, bastonário entre 2001 e 2004, tem evitado manifestar-se publicamente sobre os processos disciplinares que Rogério Alves lhe instaurou e sobre o movimento de solidariedade que entretanto se gerou, mas, em declarações ao DN, lá vai reconhecendo que "há um mal-estar na Ordem". Mais: Júdice diz mesmo que nunca viu "tantas críticas a um bastonário em exercício como agora". "A profissão está a passar um mau período", sublinha.

Declarações feitas no seguimento de um comentário que o DN pediu ao ex-bastonário sobre o seu mais recente livro, lançado quinta-feira, intitulado Bastonadas - Vitórias e derrotas na luta pelo Estado de Direito. Na edição, que reúne crónicas publicadas durante o seu bastonato e notas actuais, Júdice afirma que cortou relações com a Ordem - "interrompi a minha colaboração" - mas rejeita expor os motivos.

No entanto, ainda que de forma subtil, são várias as passagens em que o ex-bastonário não resiste a apontar o dedo à direcção da OA. Criticando o advento das forças conservadoras e o abandono do ímpeto reformista. "É verdade que sinais diversos de arcaísmo se tornaram, surpreendentemente, alías, muito visíveis de novo na Ordem dos Advogados", escreve Júdice no prefácio do livro, para algumas linhas à frente considerar que "toda a comunicação externa da Ordem surge vincada de mecanismos de pura reacção e de subordinação estratégica a linhas de combate em que os advogados portugueses não são os mais interessados". Uma página depois, o ex-bastonário diz ter a convicção de que, "depois de um ano virados para o umbigo e sem que manifestamente tenha sido considerado importante desenvolver um programa de propostas reformista, os dirigentes da Ordem irão colocar a reforma da justiça no lugar prioritátrio".

Ao DN, o ex-bastonário critica ainda Rogério Aves por não ter reunificado a classe após as eleições. "Eu chamei para o meu lado pessoas que se tinham oposto à minha candidatura. Infelizmente, não tenho visto esta direcção a reunificar a classe."

Não posso ficar calado

No livro, Júdice afirma que vai optar pelo "silêncio" no que respeita "às políticas concretas que o bastonário Rogério Alves determine", mas garante que, no que toca à reforma da justiça e à organização judiciária, estará "presente na primeira linha". "Fá-lo-ei doa a quem doer, custe o que custar, pague o preço que tiver que pagar" - "não posso ficar calado". Afirmações que poderão ser uma resposta (tácita) aos processos disciplinares que lhe foram instaurados na sequência da entrevista dada ao Jornal de Negócios (...) onde afirmou que o Estado devia consultar sempre as três maiores sociedades de advogados (onde se inclui a sua). A OA entendeu que Júdice tinha feito publicidade ilegal e processou-o.

Atitude aplaudida pelos advogados que se sentiram atingidos pela afirmação (a competição entre advogados é feroz e choveram na Ordem muitas queixas), mas que originou também um movimento de solidariedade a Júdice, protagonizado por vários causídicos notáveis, como Rodolfo Lavrador, João Pereira da Rosa ou o ex-ministro Aguiar Branco. Estava instalada a "guerra" na OA.

Perseguição

Rogério Alves criticou, entretanto, os subscritores do abaixo-assinado, acusando-os de terem intuitos eleitoralistas. E avisou que a Ordem não é uma monarquia nem uma anarquia, e que todos os advogados estão sujeitos a acções disciplinares.

Em declarações ao DN, alguns desses subscritores respondem a Rogério Alves. "Acho miserável que a Ordem tenha permitido a divulgação dos processos. Devia ter evitado julgamentos na praça pública, tanto mais tratando-se de um ex-bastonário", acusou o advogado João Pereira Rosa. Que deixou um aviso ao bastonário: "Há mais de 20 mil advogados e é lícito qualquer um candidatar-se, sem ter que pedir autorização ao Papa, ao Presidente da República ou ao dr. Rogério Alves."

Aguiar-Branco entende que Júdice se limitou a expor uma opinião - "ainda que discorde dela" - e lamenta que a Ordem "não esteja a tratar com cuidado" uma questão que envolve um ex-bastonário.

João Correia - que integrou a direcção de Júdice e foi adversário de Rogério Alves na corrida à Ordem - desmente a "vocação eleitoral" e acusa Rogério Alves de "perseguir [Júdice] por delito de opinião". "Este abaixo-assinado é uma revolta da classe", afirma. Advertindo: "Quem elegeu o bastonário foi uma elite, que já se virou contra ele."

Por Inês David Bastos, in Diário de Notícias

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