segunda-feira, março 13, 2006
Revisão do Código Penal
"1 -A revisão parte do pressuposto de que o Código Penal é um bom Código, embora careça de aperfeiçoamentos. Alguns desses aperfeiçoamentos são impostos por decisões quadro da União Europeia e por outros instrumentos internacionais que vinculam o Estado Português.
Assim sucede, por exemplo, em matéria de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual da responsabilidade penal das pessoas colectivas. Os trabalhos da Comissão de Reforma do Sistema Prisional também aconselham outras alterações, nomeadamente em matéria de diversificação de penas. A própria jurisprudência constitucional veio julgar inconstitucionais certas discriminações envolvendo actos sexuais com adolescentes entre 14 e 16 anos (se os actos forem heterossexuais, existe o abuso da inexperiência; se forem homossexuais, dispensa-se esse abuso). Por fim, a emergência de novos fenómenos criminais, por exemplo no domínio do tráfico de pessoas e das falsificações também contribui para a revisão.
Nenhum processo concreto foi ponderado na revisão do Código Penal, independentemente da sua maior ou menor repercussão mediática. No entanto os fenómenos criminais foram ponderados. Assim, o fenómeno cíclico dos incêndios florestais foi tido em conta para criar um novo crime de incêndio, punível na sua modalidade dolosa, em princípio, com pena de prisão de 1 a 8 anos, independentemente do perigo ou dano para bens pessoais como a vida ou a integridade física. Também o alargamento dos crimes de falsificação tem em conta novas condutas graves, frequentemente transnacionais, que preocupam as Forças de Segurança.
O Direito Penal constitui sobretudo um ramo da Ordem Jurídica em que se concretiza a tutela de direitos fundamentais de todas a potenciais vítimas, sem ignorar as garantias de defesa. Assim, os avanços que se registam nesta revisão pretendem promover uma maior eficácia da tutela dos direitos fundamentais, partindo do princípio de que a aplicação de penas só deve ter lugar quando é indispensável, nos termos da Constituição.
2 -Na parte geral são de destacar as seguintes alterações:
- previsão da responsabilidade penal das pessoais colectivas, não para todos os crimes, mas relativamente àqueles que são facilitados pela existência da própria pessoa colectiva e em vários casos impostos por compromissos internacionais, tais como, violação de regras de segurança, crime de tráfico de pessoas, crimes sexuais contra menores, burla informática, burla relativa a trabalho ou emprego, discriminação racial ou religiosa, falsificações, crimes de perigo comum, tráfico de influência, e corrupção. Esta responsabilidade só existe quando o crime é cometido em nome e no interesse da pessoa colectiva e não prejudica a responsabilização das pessoas singulares;
- previsão de novas penas substitutivas da prisão e reforço das já existentes. Assim, contempla-se a pena de obrigação de permanência no domicílio, com vigilância electrónica, para substituir penas de prisão até um ano e em casos excepcionais até dois anos (gravidez e crianças ou familiares a cargo). Por outro lado, prevê-se a pena de proibição de função, actividade ou profissão para substituir pena de prisão limite máximo até três anos. Também a pena de trabalho a favor da comunidade que hoje só pode substituir penas de prisão até um ano, poderá vir a substituir penas de prisão até dois anos. Todavia, tal como já hoje sucede, todas estas penas serão ponderadas caso a caso pelos tribunais, tendo em conta as necessidades de prevenção criminal. No mesmo sentido, amplia-se a possibilidade de suspensão da pena de prisão, que passa a referir-se a penas de prisão até 5, e não até 3 anos, dependendo, no entanto da avaliação de juiz e da imposição de regras de conduta;
- reforça-se a defesa das crianças, aumentando de 14 para 16 anos a idade a partir da qual podem consentir relevantemente na prática de actos lesivos de bens disponíveis.
Determina-se, tal como impõe a Constituição, a aplicação de leis penais retroactivas mais favoráveis, mesmo que haja caso julgado, quando o condenado já cumpriu uma pena igual ou superior à pena máxima prevista na Nova Lei.
3 -Na parte especial, destacam-se as seguintes alterações:
- previsão de novas circunstâncias qualificativas do homicídio, para casos de casamento, relação análoga conjugal, ódio motivado pela orientação sexual e execução do crime contra membro de comunidade escolar. È de recordar que as circunstâncias qualificativas do homicídio nem são taxativas nem funcionam automaticamente, sendo obrigatório ponderar caso a caso se revelam especial perversidade ou censurabilidade.
- tutela das vítimas de maus tratos e violência doméstica é alargada, equiparando-se à relação conjugal todas as relações análogas e prevendo-se penas como o afastamento do agente do crime, eventualmente com controlo electrónico;
- no domínio dos crimes sexuais, reforça-se a tutela de menores, através da criação de crimes de pornografia e de actos sexuais remunerados. Elimina-se a discriminação referente a actos homossexuais e heterossexuais com adolescentes com mais de 14 e menos de 16 anos, passando a requerer-se sempre o abuso da inexperiência. Por fim, equipara-se a penetração com objectos às restantes formas de violação.
- prevê-se o novo crime de tráfico de pessoas, que pode ser dirigido à exploração sexual, à exploração do trabalho ou à colheita de órgãos e é punido com penas que podem ir até 12 anos de prisão. Junto a este crime prevêem-se novas condutas, até hoje não criminalizadas, como a compra e venda de crianças para adopção (pena de prisão de 1 a 5 anos), a ocultação de documentos das vítimas do tráfico (pena de prisão até 3 anos) e a utilização das vítimas do tráfico (seja em trabalho seja no domínio sexual e punível também com penas de prisão até 5 anos). Todas estas condutas só são puníveis se houver dolo, ou seja conhecimento da situação de tráfico e vontade criminosa;
- no âmbito dos crimes contra o património, contempla-se o arquivamento do processo em relação a crimes de furto, abuso de confiança e dano, relativos a coisas de valor elevado ou consideravelmente elevado, ainda que não sejam crimes semipúblicos, desde que o agente repare concretamente o prejuízo causado. Pretende assim promover-se nestes casos uma justiça restaurativa e proteger o interesse da vítima;
- em matéria de crimes contra bens da sociedade prevê-se um novo crime de incêndio da floresta, que se consuma independentemente de perigo ou dano contra bens pessoais, uma vida e a integridade física, punível, na sua forma básica e dolosa com pena de prisão de 1 a 8 anos, mas susceptível de várias agravações. Reforça-se igualmente a tutela do ambiente alterando os crimes de danos contra a natureza e poluição, através da introdução de conceitos materiais, que pretendem eliminar o arbítrio das autoridades administrativas quanto a estes crimes.
o crime de violação do segredo de justiça, actualmente comum é restringido, passando a abranger apenas as pessoas que contactem com o processo (magistrados, advogados, polícias, funcionários judiciais e outros sujeitos ou participantes processuais). Os terceiros que divulguem elementos do processo só serão punidos pelo crime se prejudicarem a investigação, definindo-se que há prejuízo quando revelarem antecipadamente meios de prova ou obtenção de prova, medidas de coação ou de garantia patrimonial e a identidade de testemunhas sob protecção ou de agentes encobertos.Em todos os casos, a pena mantêm-se inalterada – prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
4 - Estas são algumas das principais alterações propostas, através de um anteprojecto que será apresentado publicamente durante o mês de Março e cuja pertinência será apreciada pelo Ministro de da Justiça, pelo Governo e, em última instância, pela Assembleia da República. Está em causa, por ora, apenas um anteprojecto da Unidade Missão.
A Unidade de Missão Para a Reforma Penal é dirigida por um Coordenador (Rui Pereira) e engloba representantes de vários organismos: Conselhos Superiores de Magistratura e Ministério Público, Ordem dos Advogados, PJ, PSP, GNR, SEF, Serviços Prisionais, Serviços da Reinserção Social, Gabinete de Relações Internacionais, Gabinete de Política Legislativa e quatro Professores Universitários.
As discussões têm sido vivas e profundas, mas os consensos têm sido fáceis de alcançar, assim se compreendendo a celeridade dos trabalhos. A Lei Quadro da Política Criminal foi aprovada por unanimidade em 2 meses e a Revisão do Código Penal estendeu-se por pouco mais de 3 meses. As contribuições dadas por todos os organismos têm sido efectivas e enriquecedoras.
No dia 13 de Março deverá ocorrer a última reunião dedicada à revisão do Código Penal, deste modo, a revisão do Código de Processo Penal irá iniciar-se, ainda, no mês de Março. A Revisão irá contemplar alguns aspectos de pormenor referentes aos meios de obtenção de prova (intercepção de comunicações), as medidas de coação (prisão preventiva), segredo de justiça (tendentes a restringir o seu âmbito de duração processual), tal como resulta dos compromissos assumidos pelo Governo no seu programa. Todas as alterações serão objecto de tornar os regimes mais claros, evitar ambiguidades em matéria de direitos fundamentais e conferir eficácia à investigação criminal. Para além destes aspectos pontuais, a revisão procurará simplificar os recursos e tornar aplicáveis em mais casos as formas especiais de processo, aumentando a celeridade e a eficácia, sem prejuízo das garantias de defesa.
Dá-se assim cumprimento ao n.º 2 do artigo 32.º da Constituição."
Fonte: Ministério da Justiça
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