sexta-feira, março 24, 2006

Dois candidatos pela independência dos juízes


Cerca de 1900 magistrados vão amanhã a votos para eleger a nova direcção da Associação Sindical dos Juízes Portugueses. Os tempos são agitados, com grande confronto entre a classe e o Governo. Os candidatos prometem não baixar os braços.


Dr. Alexandre Baptista Coelho - Juiz Desembargador em Évora
Nasceu na Cova da Piedade há 52 anos.
Como juiz de direito passou pelos tribunais de 1ª instância de Cuba, Beja, Montijo e Barreiro.
É juiz na Relação de Évora há 9 anos e presidente da ASJP há 3.

Alexandre Baptista Coelho dirigiu a associação nos últimos três anos. Foi a voz visível da contestação dos juízes contra o Governo, que culminou numa greve. O recandidato acusa alguns sectores da classe política de quererem domesticar a magistratura e avisa que a independência dos juízes está a ser posta em causa. E não exclui recorrer às instâncias internacionais.

O que o leva a recandidatar-se?
O apoio que recebi de muitos colegas, e não posso defraudar expectativas.

O seu mandato ficou marcado por uma grande confrontação com o Governo. Voltaria a optar pelo caminho da greve?
Na generalidade, não me arrependo de nada do que foi feito. A grande adesão que a greve teve é a melhor resposta para o acerto da decisão que foi tomada.

Mas a lista adversária acusa-o de se limitar a meras reivindicações, sem ter um rumo...
É sempre mais fácil criticar que fazer. Só quem não foi ao congresso depois da greve é que pode fazer essa crítica sem sentido.

Admitem parar de novo se o Governo mantiver a ofensiva de que se dizem alvo?
A greve é uma arma que não pode ser banalizada e não está no nosso horizonte, existem outros meios ao alcance dos juízes para defender a sua independência.

Quais? Até onde admite ir?
Poderemos recorrer às instâncias internacionais, denunciando eventuais violação da regra da separação de poderes.

A independência dos juízes está em risco?
Se houver desejo de politizar os tribunais superiores, de instituir as carreiras planas e de impedir que os juízes se assumam como titulares de um órgão de soberania, então a independência do poder judicial está em causa.

E é isso que está a acontecer?
Neste momento, sim.

A classe política quer abafar o poder judicial?
Há sectores da classe política que têm apetência por controlar ou domesticar a magistratura. Quem convive bem com um poder judicial fraco é quem não convive bem com a legalidade.

O que pode fazer a associação para inverter esta situação?
Defender a independência dos juízes e reforçar o prestígio da magistratura . Continuaremos a denunciar as disfunções do sistema e a passar a mensagem de que os juízes quando levantam a voz não é por interesses pessoais, mas para que exista uma justiça de qualidade.

De que forma deve reorganizar-se o mapa judiciário?
Deve passar pela reorganização do País em termos de comarcas e deve sempre ser compatibilizada com a organização administrativa do País. E deve passar por uma aposta da especialização dos tribunais de grandes dimensões.

Como está a correr a marcação de férias?
É a confusão total. Os mapas já deviam estar afixados a 9 de Março e ainda não existe nada. O Governo devia ter a coragem de uma vez por todas de dizer que vai acabar com as férias judiciais.


As Metas:

- Gabinete do juiz: Baptista Coelho promete lutar pela criação deste organismo, que teria um funcionário em exclusividade. A ideia é dar apoio técnico ao juiz em várias áreas.

- Melhores salários: A revisão do estatuto remuneratório dos magistrados judiciais, na linha do protocolo assinado em 2003, será outra batalha, se for eleito.

- Magna Carta: Consiste na criação de uma lei-quadro da magistratura, com força paraconstitucional, e à qual se subordinariam estatutos e leis orgânicas. A defesa da independência do juiz face ao poder político é assumida como uma prioridade.


Dr. António Martins - Juiz Desembargador em Coimbra
Nasceu em Angola há 46 anos.
Passou pelos tribunais do Seixal, Cuba e Barreiro, pelo TIC de Lisboa e Boa Hora.
E foi director adjunto da PJ, em 1995.
É Juiz no Tribunal da Relação de Coimbra desde Setembro de 2005.

Assume-se como candidato da alternativa e não da oposição à actual direcção, que acusa de não ter sabido fazer passar para a opinião pública a verdadeira razão da greve. António Francisco Martins promete lutar pela independência do poder judicial e avisa que recorrerá ao Conselho da Europa se o Governo tentar controlar o acesso aos tribunais superiores.

A sua candidatura é de oposição à actual direcção da associação?
É incorrecto designá-la dessa maneira. É uma alternativa.

Alternativa a quê?
Quero marcar a diferença, fazendo mais e melhor, procurando não ser meramente reactivo, com tem sido esta direcção. O objectivo é não restringir a palavra às acções da associação, mas alargá-la também ao sistema de justiça na sua globalidade.

A greve foi uma boa opção?
A greve aconteceu porque os juízes foram muito desconsiderados, mas infelizmente não foi essa a mensagem que passou é nesse aspecto que houve falhanço da actual direcção.

Se for eleito, até onde admite ir no conflito que tem oposto magistratura e Governo?
A greve deve ser uma medida de último recurso. Os juízes só a fazem em circunstâncias excepcionais e eu espero que não haja necessidade nos próximos tempos. Mas existem outras formas de luta...

Como por exemplo?
Há dois diplomas perigosos em curso, o das carreiras planas e o do acesso aos tribunais superiores - que de alguma forma estão relacionados -, em que está subjacente a intenção do poder político de controlar o acesso aos tribunais superiores e isso coloca em causa a independência dos juízes. Se assim for, admitimos recorrer aos fóruns europeus, nomeadamente ao Conselho da Europa.

Acha que a classe política quer acabar com o poder judicial?
Há uma tentativa de controlar, de domesticar, que começou com a tentativa de descredibilização, passando a ideia de que os juízes eram uma casta privilegiada.

O que propõe para fazer face a esta situação e inverter a crise na justiça?
Defender a independência do poder judicial e garantir aos cidadãos a confiança nos juízes. Esta é a nossa prioridade. Sobre a crise na justiça, pretendo apresentar propostas concretas, fundamentadas e com soluções. Mas é preciso que o poder político tenha respeito e atitudede ouvir as pessoas que trabalham no sistema. E que entenda que as reformas só são viáveis se houver mais meios humanos e materiais para as aplicar. O poder executivo deve ser tratado com respeito mas nós também exigimos respeito.

Como deve ser reorganizado o mapa judiciário?
Nunca numa visão exclusivamente economicista e sempre com base no pensamento de que a justiça é um bem de primeira necessidade, que tem que estar acessível aos cidadãos. Tendo também em conta que o mapa não deve sobrepor-se ao mapa administrativo do País.

As Metas:

- Observatório dos tribunais: Criar, na dependência da direcção da associação, um organismo para colocar os juízes na linha da frente pela melhoria do sistema de justiça.

- Livro branco do poder judicial: Que vai condensar o diagnóstico de todos os confestionamentos no funcionamento dos tribunais, apresentando várias soluções.

-Devolver dignidade: António Martins promete defender de forma intransigente a independência dos magistrados judiciais e devolver ao juiz o patamar de dignidade imposto pelo seu estatuto político-social e profissional.


in Diário de Notícias
(edição escrita - 6ª Feira, 24 de Março de 2006, Ano 142, N.º 50032, p. 20)

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