domingo, março 26, 2006
As sociedades instaladas
Rui Machete
Advogado
"No momento em que escrevo não se conhecem ainda as conclusões da Cimeira Europeia que decorre esta semana em Bruxelas.
Não são, contudo, de esperar resultados muito significativos, designadamente quanto a um dos grandes problemas, a um tempo económico e social, que afligem a União Europeia:
- A permanência de uma elevada percentagem de desemprego, particularmente entre os jovens, isto é, entre aqueles que agora vão chegando ao mercado de trabalho.
O confronto entre o que se convencionou chamar o Modelo Social Europeu e as necessidades da flexibilização da economia e da moderação salarial, condição indispensável para assegurar a competitividade face à crescente globalização, não parece estar a resolver-se em compromissos viáveis.
A desorientação dos dirigentes políticos, cada vez mais vulneráveis aos comportamentos eleitorais espectáveis, sobretudo a uma opinião pública volúvel, expressa em maiorias de circunstância através de inquéritos ou pior de manifestações de rua, não ajuda à definição de políticas coerentes e duradouras.
E, todavia, é nos tempos de incerteza e hesitação que se tornam mais necessários os políticos que aceitam o risco de estabelecer directivas claras privilegiando o longo prazo sobre a volatilidade do dia-a-dia.
A União Europeia não tem hoje apenas de definir o seu papel nas relações entre as potências.
Para além de se posicionar quanto à resolução dos grandes problemas mundiais, v. g., da segurança nuclear, do terrorismo, da energia e da preservação ecológica, do subdesenvolvimento e do comércio externo, ao lado dos Estados Unidos, da Rússia e dos poderes ascendentes da China e da Índia, tem agora de preocupar-se seriamente com o perigo da sua própria decadência no domínio económico.
É que uma das razões de ser da União Europeia e o principal factor do seu êxito - o progresso económico e as políticas de redistribuição da riqueza relativamente justas - está em causa.
Obnubilados pelo grande fracasso político da rejeição da chamada "Constituição Europeia", os responsáveis europeus esqueceram-se de um dos mais elementares ensinamentos do spill over :
- Um alargamento faseado e sustenta-do da integração, a partir da multiplica- ção dos laços de cooperação económica.
Sem uma economia sólida com capacidade competitiva e em crescimento não há integração política que possa progredir.
Sem maior integração política, embora sempre preservando a autonomia essencial das nações que compõem o todo, não há missão de Europa no concerto das potências mundiais.
Na construção dos cenários para o espaço europeu, desejáveis ou possíveis a médio prazo, digamos para 2030 ou 2040, para além das questões do alargamento - a integração da Turquia, os limites geográficos ou políticos da União, etc. -, e das questões do aprofundamento - maior componente federal ou permanência das estruturas confederais, etc. -, esta discussão sobre a economia não pode ser negligenciada ou adiada.
Ao analisar o problema do crescimento económico, não poderemos, porém, só considerar os aspectos mais sociais.
O modelo complexo de desenvolvimento tem de prestar atenção, para além dos temas clássicos do investimento e da comercialização, etc., às questões mais contingentes do modo de ser e reagir do ser humano.
A flexibilidade e a inovação não são apenas categorias abstractas de teorias económicas ou sociais, mas têm de estar articuladas com as atitudes face ao risco.
É facto que o homem, ao longo da História, tenta prevenir e dominar o risco; mas também é verdade que sem o aguilhoamento do desafio predomina a tendência para a inacção e para a acomodação e até para o abuso do poder a partir do conforto de situações estáveis há muito conquistadas.
A aversão ao risco constitui um dos maiores bloqueios das sociedades contemporâneas evoluídas.
É uma verdade na Europa, em geral, e em Portugal, muito em particular.
Há que decisivamente fomentar a assunção do risco e o gosto de vencer os desafios. Se não o conseguirmos fazer e formos, cada vez mais, sociedades instaladas, continuaremos a perder terreno."
in Diário de Notícias
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