domingo, março 19, 2006

Juíza desafia poder político a assumir os seus privilégios


A juíza Fátima Mata Mouros desafiou, ontem, o poder político a assumir como um privilégio de classe a proposta para que os deputados e ministros apenas possam ser julgados por tribunais superiores, assim como a autorização para que as buscas e escutas telefónicas apenas possam emanar de juízes destas instâncias. Para a magistrada, se assim não acontecer, tal proposta é "um mau sinal" porque lança "a desconfiança nos juízes de instrução".

A opinião de Fátima Mata Mouros foi expressa, ontem, durante um debate promovido pela candidatura do juiz desembargador António Martins à Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP). Segundo a juíza, por detrás da proposta "só pode estar uma ideia de privilégio que tem a ver com a diginidade da função" para os casos dos deputados e ministros.

Porém, exortou, "devem assumir que é um privilégio". Até porque, admitiu, a ideia lança um "clima de desconfiança" nada salutar para a justiça. "Em que medida é que os tribunais da Relação estão mais bem dotados para controlar as escutas?", questionou, lembrando que as cassetes ou os CD's, antes de chegarem às mãos dos juízes, continuam a passar por vários inspectores da Polícia Judiciária.

Também a criação de uma comissão para o acompanhamento das escutas telefónicas, proposta pelo governo no âmbito da reforma penal, mereceu reparos da magistrada: só irá trazer despesa ao Estado.

É que, se o papel da comissão passará por fiscalizar o número de escutas realizadas e os meios, a magistrada considera que ambas as competências estão sob a alçada de duas instituições já existentes: a Inspecção Geral da Justiça e o Ministério Público.

Menos diplomático nas críticas às propostas do governo foi o candidato à ASJP. António Martins, juiz desembargador do Tribunal da Relação de Coimbra, começou por criticar as reformas "a reboque de um caso concreto e tendo em conta uma classe concreta".

Recordando a sua experiência como juiz de instrução, António Martins apontou a falta de meios para ouvir as cassetes das escutas e disse que quando passaram para o formato de CD não havia computadores e software para as ouvir. "É um exemplo concreto de como o poder político nunca se preocupou naquela altura com o juiz de instrução, porque não havia deputados e ministros a serem escutados."

No que diz respeito à comissão de acompanhamento das escutas telefónicas, o desembargador António Martins ironizou: "Fiquei surpreendido porque não houve uma comissão de acompanhamento das buscas. É que houve uma busca para procurar um tabuleiro de xadrez valioso. Não sei se o senhor era ministro ou deputado", numa alusão a uma busca realizada em Novembro de 2005 à casa do socialista Jorge Coelho, ordenada por uma juíza de Cascais.


Fonte: Diário de Notícias

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