quinta-feira, março 23, 2006

Crime mais violento


Há sinais preocupantes de que o crime está mais violento para as vítimas. O acesso a armas de fogo é cada vez mais fácil e os criminosos não hesitam em agredir ou abrir fogo. As autoridades preparam respostas e ontem polícias e Ministério Público discutiram o fenómeno num encontro em Lisboa.

O nível de violência associado aos crimes praticados na Grande Lisboa está a aumentar. Contra as estatísticas policiais, que traduzem uma descida da ‘criminalidade violenta’, a percepção dos polícias é a de que os criminosos, muitas vezes jovens com fácil acesso a armas de fogo, não hesitam em recorrer à violência. Ontem, Polícia Judiciária, PSP, GNR e Ministério Público estiveram lado a lado, numa conferência, em Lisboa, à procura de soluções para um fenómeno cada vez mais preocupante. Algumas respostas vão surgir a curto prazo.

Os sinais são preocupantes. Apesar de os indicadores da PSP para Lisboa mostrarem uma descida na categoria ‘criminalidade violenta’, crimes como assaltos a bancos, a casas de câmbio e roubo de viaturas, que integram o grupo, aumentaram em 2005. O acesso às armas de fogo – vindas da Europa de Leste ou transformadas em oficinas artesanais – é mais fácil.

No ano passado, a PJ apreendeu em Lisboa 65 armas. E prendeu mais gente por crimes cometidos com armas de fogo: 263 suspeitos – dos quais 156 ficaram em prisão preventiva. Há cinco anos que este tipo de crime está a subir e os alvos são cada vez mais variados. Tabacarias e papelarias, por exemplo, são atacadas à quinta e à sexta-feira.

Estão a ganhar força os assaltos a estabelecimentos com clientes. “Isso já não é obstáculo e houve um caso de assalto a um restaurante com mais de cem pessoas”, disse Carla Falua, da PJ de Lisboa, sublinhando a necessidade de este tipo de crime dever ser comunicado o mais depressa possível à PJ, o que nem sempre acontece.

A dispersão territorial da actividade criminosa, com grupos de número variável a cometerem vários roubos em diferentes locais em pouco tempo, é outro sinal a preocupar as autoridades. “É um fenómeno associado às principais estradas, eixos ao longo dos quais se processa a actividade criminosa”, disse Carlos Farinha, responsável da PJ de Lisboa.

Para fazer face a este tipo de acção, conhecido por ‘fezada’, a GNR revelou que tem em fase final de preparação um plano de intercepção e controlo rodoviário, que permitirá uma intervenção mais rápida nestas situações.

Também o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, vai criar uma equipa, dedicada à grande criminalidade, para evitar a disseminação de processos por vários tribunais.

PJ CONTRA OS ROUBOS

Foi a ocorrência frequente de crimes cometidos com arma de fogo que levou a PJ de Lisboa a criar, no ano passado, um serviço permanente especializado nestas situações.

No entanto, e como foi revelado ontem, pouco mais de metade das ocorrências (58,8 por cento) foi comunicada quer pela PSP quer pela GNR em tempo útil. Apesar de, segundo a PJ, “99,9 por cento dos casos terem sido comunicados”.

“As vantagens da rapidez prendem-se com a recolha de vestígios e com outras diligências no local, com o processamento da informação e com a conexão com outros factos”, referiu Carla Falua, da PJ de Lisboa, reconhecendo que, apesar de nem sempre “ser fácil, é muito importante que as autoridades garantam a preservação do local”. A recolha de indícios e a identificação de testemunhas podem ser determinantes.

DIAP AVANÇA COM EQUIPA ESPECIAL

O Departamento de Investigação e Acção Penal vai contar ainda este mês com uma nova unidade especial para combater a grande criminalidade na comarca de Lisboa, anunciou Teresa Almeida, procuradora da República naquele organismo, durante a Jornada de Reflexão sobre Criminalidade Urbana e Violência, organizada pela directoria de Lisboa da Polícia Judiciária.

“A unidade possui uma vocação distrital, tendo em conta os fenómenos que têm uma expansão territorial”, disse Teresa Almeida. O objectivo da nova unidade, que ainda não tem designação, é dar uma “resposta imediata e uniforme, sem disseminação de processos” para aumentar a qualidade de resposta. Durante a intervenção no encontro, a procuradora apontou como “falhas” a “fragmentação da informação em círculos autónomos de que ninguém tem o conhecimento global e cruzado”.

“O tratamento burocrático do crime” foi outro dos “erros” apontados por Teresa Almeida, que considera existir “um uso excessivo de métodos invasivos de obtenção de prova e deficiente tempo de resposta”.

VIOLÊNCIA URBANA

BEBIDAS PERIGOSAS

A PSP revelou que está a analisar os crimes cometidos sobre vítimas que ingerem sem saber bebidas adulteradas que induzem desmaios. Apesar de não existirem estatísticas, já há alguns casos relatados de roubos e violação.

TRANSPORTES

Os crimes cometidos em transportes públicos são uma das áreas mais sensíveis em termos de criminalidade e das que maior insegurança podem gerar entre a população, disse Santos Cabral, director nacional da Polícia Judiciária.

DESCONHECIDOS

Teresa Almeida, procuradora do Ministério Público, alertou para a importância da presença das autoridades no local dos crimes praticados por desconhecidos, sublinhando que a recolha de vestígios e a presença, numa atitude não burocrática, podem contribuir para a prevenção criminal.

EQUIPAS POLICIAIS

A criação de equipas de agentes de várias Polícias para fazer face à criminalidade urbana mais violenta foi uma das sugestões apresentadas por Teresa Almeida, que defendeu também uma melhor comunicação e coordenação entre forças de segurança e Ministério Público.

RAÇA NEGRA E BRANCA

A procuradora Francisca van Dunen, natural de Angola, afirmou que, quando se torna “relevante” para a compreensão de um determinado fenómeno, não deve evitar falar-se de indivíduos negros, brancos ou outros.

GRUPOS MISTOS

As forças de segurança detectaram uma nova tendência: a adesão de jovens brancos a grupos de negros. “São franjas da sociedade atraídas para os pequenos grupos que deviam ter sido integrados”, disse fonte da PJ.

ROUBAR SEM PRECISAR

No retrato que fez da criminalidade urbana, a PJ destaca o facto de os roubos cometidos com armas de fogo não terem por objectivo a satisfação de necessidades.

SEGURANÇA EM LISBOA

Roubos por esticão: 474 (2003) / 715 (2004) / 843 (2005)

Roubos na via pública: 1041 (2003) / 1557 (2004) / 1511 (2005)

Assaltos a bancos: 29 (2003) / 22 (2004) / 39 (2005)

Assaltos a tesourarias ou correios: 2 (2003) / 4 (2004) / 7 (2005)

Assaltos a postos de combustível: 12 (2003) / 12 (2004) / 5 (2005)

Homicídios: 23 (2003) / 28 (2004) / 26 (2005)

Roubos com sequestro: 76 (2003) / 75 (2004) / 74 (2005)

Armas apreendidas: 299 (2003) / 274 (2004) / 316 (2005)

Roubos com armas de fogo em 2005: 1218

Fonte: Correio da Manhã

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