Há um milhão de armas legais em Portugal, o que corresponde a 10% da população. Mais de metade das licenças foram atribuídas a caçadores, cerca de 500 mil, as restantes a civis e entidades em exercício de cargos públicos. Mas, em 2005, a PSP rejeitou 85 a 90% dos pedidos de licença para uso de arma, o que nunca tinha acontecido.
O objectivo era restringir o acesso a este tipo de material, mesmo sem a nova lei que regulamenta o uso de armas ter entrado em vigor. Até porque, e segundo dados da Divisão de Análise de Informações Policiais (DEPIPOL), há 6412 armas que foram dadas como furtadas e extraviadas nos últimos dez anos. Embora se pense que haja muitas outras situações que nem sequer foram comunicadas à PSP, entidade com competências na passagem de licenças e na fiscalização do comércio de armas.
Tal restrição também se deve ao facto de se registar mais assaltos com armas de fogo, muitas delas adaptadas. "Tem-se registado um aumento de roubos com armas de fogo, as mais usadas são as pistolas ou caçadeiras adaptadas, e para estas últimas é preciso licença para as adquirir", explicou o chefe da DEPIPOL.
Por isso, a Lei n.º 5 de 2006, publicada a 23 de Fevereiro e aprovada pela Assembleia da República a 21 de Dezembro de 2005, com entrada em vigor só em Agosto, vem fazer uma "clarificação do que é permitido e proibido", segundo afirmou ao DN o secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna, José Magalhães. "Restringe e responsabiliza mais quem tem acesso legal a uma arma. Por outro lado, a mensagem do Estado é a de que não se encoraja o uso de armas de grande calibre nem a resolução dos problemas de segurança ou de autodefesa por esta via", sublinhou.
Recorde-se que a legislação anterior de 1949, apesar das várias alterações que foi sofrendo, tinha grandes lacunas. Esta incidia na classificação do material, fabrico, importação e exportação e comércio, enquanto a actual vai mais longe. Impõe maior rigor na atribuição da licença, através de cursos técnicos e cívicos, mais controlo por parte da entidade fiscalizadora, PSP, e define as penas para práticas ilegais. Para o governante "é uma lei simplificadora, mas, ao mesmo tempo, com maior fiscalização, obrigando a uma acção pró-activa da polícia".
Governo lança acção de desarmamento voluntário
O Governo vai lançar uma campanha pública de desarmamento voluntário. A medida foi anunciada ao DN pelo secretário de Estado adjunto e da Administração Interna, José Magalhães, e deve ser levada a cabo em conjunto com a Comissão Nacional de Justiça e Paz. Para esta semana está marcada uma reunião entre a comissão e o Ministério da Administração Interna para se definirem moldes e protocolos que visam a concretização da iniciativa.
O objectivo é levar os portugueses que estejam na posse ilegal de armas a entregá-las ao Estado sem quaisquer consequências. "Pretendemos incentivar a entrega gratuita de armas ilegais e sem consequências para quem as tiver nas suas mãos", sublinhou José Magalhães.
Segundo o secretário de Estado, trata-se de uma campanha que procura seguir o modelo de desarmamento adoptado no Brasil em 2003, que, em pouco mais de quatro meses, levou à entrega de 180 mil armas. O governo federal gastou quase sete milhões de euros em indemnizações, mas a ONU classificou o modelo brasileiro como um "exemplo mundial".
Mas a campanha portuguesa será também aproveitada para fornecer informações sobre a nova legislação que regulamenta o uso e porte de arma e que entrará em vigor em Agosto deste ano. "É necessário que os portugueses conheçam a lei, saibam o que é proibido e permitido", justifica o governante.
Polícias irão usar armas ilegais
Uma outra medida do Governo já inscrita no Orçamento de Estado para este ano é a que pretende permitir o uso de armas não transformadas apreendidas pelas forças policiais, à semelhança do que já acontece com as viaturas.
De acordo com José Magalhães esta medida surge na sequência de uma proposta do Ministério da Administração Interna, estando a sua concretização apenas dependente de uma norma, cuja regulamentação ficará concluída muito em breve. "Hoje são apreendidas cada vez mais armas de precisão, até à altura entregues a malfeitores, se estas puderem ser usadas pelas forças policiais são uns largos milhares que o Estado poupa na aquisição de material", justificou o governante.
Tanto mais que a nova lei contempla a realização de "operações especiais e de prevenção criminal" em áreas geográficas bem delimitadas e que possam constituir zonas de crime, como locais e vias públicas, aeroportos, portos e gares de transportes. Tudo para controlar, localizar e prevenir a entrada de armas.
Quase metade das armas apreendidas são adaptadas
Em 2005, o Laboratório Científico da Polícia Judiciária recebeu para análise mais de mil armas ilegais, usadas em crimes ou suspeitas de o terem sido. Destas, quase 40 por cento eram transformadas. No ano passado, a PSP apreendeu 2205 armas e a GNR 1362, uma boa parte ilegais e modificadas. A maioria pistolas de calibre 6,35 milímetros e revólveres. Este tipo de comércio aumenta em Portugal e já está no centro das investigações policiais. Até porque começa de forma legal, pela aquisição de armas de gás e de alarme, mas termina a servir o mundo do crime.
Segundo fontes da Judiciária, não se pode falar em grandes redes, mas em grupos informais que lidam sobretudo com amadores da transformação, serralheiros ou outros profissionais com conhecimentos no manuseamento de metais a quem é proposto o negócio enquanto desafio, mas que depois se mantém pelas quantias recebidas. Talvez por isso o perfil traçado não deixe dúvidas: "Homens de meia-idade, estrato social baixo, residente fora das grandes zonas habitacionais e com conhecimentos de serralharia ou de manuseamento de metais", dizem-nos.
As motivações são quase sempre económicas. Basta referir que as armas de gás e de alarme mais usadas neste tipo de negócio podem custar no mercado legal entre 100 a 250 euros, e quando transformadas passam logo para o dobro, sendo que metade é para o transformador. Não se sabe ao certo o volume de dinheiro que a actividade movimenta, mas há uma certeza: "Muitos milhares." No entanto, se algo corre mal, se a arma rebenta ao disparar e os objectivos não forem atingidos, é certo e sabido que o transformador também rapidamente fica com a cabeça a prémio.
Negócio de vãos de escada
Mas até agora, e de acordo com as fontes do DN, o negócio tem florescido em pequenas oficinas, quase em vãos de escada, e com material, muitas vezes, inadequado. O Norte do País bem como as zonas limítrofes situadas a norte de Lisboa são os locais preferidos para a prática da transformação.
Quanto à fase seguinte, a venda, está localizada nas áreas circundantes dos grandes centros urbanos. Mais uma vez na capital e no Porto, e maioritariamente nos chamados bairros problemáticos, cujas estrutura, grande densidade populacional, e geografia, amontoado de habitações que dificultam o acesso, facilitam a prática do negócio. "Os bairros funcionam como uma autoprotecção. São mais difíceis as apreensões e as detenções", contam.
Os intermediários são, normalmente, homens entendidos em armas, que dentro ou fora do país tiveram ligações a armamento. Alguns até podem dedicar-se ao comércio legal. Uma ideia que é agora rejeitada pelos investigadores é a de que o negócio de armas adaptadas ou de entrada ilegal deste tipo de material esteja cada vez mais associado às redes de imigração. "Podem ser apreendidas armas em operações de desmantelamento de redes de tráfico de pessoas, mas não é uma tendência", referem fontes policiais.
Armas importadas de Itália
Até porque as armas transformadas, maioritariamente pistolas e revólveres de gás e de alarme, entravam no mercado de forma legal, pois a lei portuguesa permitia a livre compra e venda, por não lhes atribuir perigosidade. Tanto podem ser adquiridas em lojas de armeiros como através da Internet, havendo sites próprios que apenas exigem nome, morada e número de cartão de crédito. Este último até é dispensável, pois, como anunciam os sites, "enviamos à cobrança para todo o país. Encomendas normais serão entregues até 48 horas no Continente e Ilhas". O pedido só tem que ser "confirmado" em 24 horas. Os preços variam e são tanto mais caros quanto mais estas armas se assemelham às verdadeiras, já que podem passar do disparo por pressão de ar ao disparo de balas.
Nova legislação já contempla o crime por tráfico
O crime por tráfico de armas está finalmente consignado na legislação portuguesa. A Lei n.º 5 de 2006, publicada a 23 de Fevereiro mas com aplicação só a partir de Agosto, contempla no artigo 87 este tipo de crime, que não consta do actual Código de Processo Penal.
Segundo a nova legislação, será punido com dois a dez anos "quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, vender, ceder a qualquer título ou por qualquer meio distribuir, mediar uma transacção ou, com intenção de transmitir a sua detenção, posse ou propriedade, adoptar algum dos comportamentos previstos no artigo anterior, envolvendo quaisquer equipamentos, meios militares e material de guerra, armas, engenhos, instrumentos, mecanismos, munições, substâncias ou produtos aí referidos". Tal pena será agravada para quatro a 12 anos se os agentes acusados forem funcionários "incumbidos da prevenção ou repressão de algumas das actividades ilícitas previstas no diploma, se aquela actividade se destinar, com conhecimento do agente, a grupos, organizações ou associações criminosas ou se o agente fizer daquelas condutas modo de vida". Por outro lado, a pena será atenuada ou não terá lugar se "o agente abandonar voluntariamente a actividade".
Operação 'limpeza'
O secretário de Estado adjunto e da Administração Interna, José Magalhães, afirmou ao DN que a operação levada a cabo pela PSP foi "uma condição prévia" para a aplicação da nova lei. "Havia que garantir uma reformulação do departamento que tem a seu cargo a fiscalização. Agora, é preciso dotar aquele departamento com mais quadros e mais ferramentas que lhe permitam funcionar de forma eficaz."
Fonte: Diário de Notícias
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