quinta-feira, março 30, 2006

Falência da PJ leva direcção a fazer ultimato ao Governo


A Polícia Judiciária está em falência técnica. A situação é de tal forma grave que ontem os elementos da direcção daquela polícia reuniram-se de emergência em Lisboa. Aprovaram por unanimidade um texto de que, telefonicamente, Santos Cabral, director da instituição, deu conta ao ministro da Justiça, Alberto Costa. A dizer que não estão disponíveis para continuar, caso o projecto tivesse alterações em termos de estrutura e também no plano orçamental. Mesmo assim, a ameaça de demissão, que ficou no ar, não terá sido claramente abordada.

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A Polícia Judiciária, liderada por Santos Cabral, não aceita a reorganização que está a ser preparada pelo Governo, no âmbito do Programa de Reorganização da Administração Central e do Estado (PRACE). Um programa coordenado pelos ministros de Estado, António Costa e Teixeira dos Santos, e que hoje é aprovado em Conselho de Ministros e divulgado com pompa e circunstância ao início da tarde no Ministério das Finanças.

Na calha, de acordo com o documento preliminar do PRACE, está a transferência da área do gabinete nacional da Interpol e da Unidade Nacional da Europol da Judiciária para o reestruturado Gabinete Coordenador de Segurança, que funciona na dependência da Presidência do Conselho de Ministros.

A medida veio colocar mais achas na fogueira entre polícias e Governo. E que envolve directamente Alberto Costa, ministro da Justiça, e António Costa, ministro de Estado da Administração Interna, que tem também a seu cargo a reestruturação da administração central.

Ontem, o conselho operacional - que integra os directores da PJ - esteve reunido e ficou decidido, por unanimidade, que a Polícia Judiciária não vai aceitar qualquer alteração do quadro legal de competências existente à data da tomada de posse da direcção (ainda durante o anterior Governo, quando era ministro da Justiça, José Pedro Aguiar Branco).

No limite, ou seja, se o Governo avançar com tal mexida, a direcção da PJ admite mesmo abandonar funções. "A ser assim, não corresponde ao projecto que esta direcção abraçou e a direcção colocará os lugares à disposição. Este projecto não é o nosso e outras pessoas terão que abraçá-lo", disse ao DN Manuel Rodrigues, porta-voz da Judiciária.

A Direcção Nacional alega que a Interpol e a Europol "são fundamentais na actuação da PJ" e acusa o Governo de querer esvaziar a sua actuação a nível internacional. A actuação da PJ em matéria de combate ao terrorismo ficará, em consequência dessa alteração, "prejudicada". A PJ não aceita, também, perder terreno no que respeita à coordenação das forças policiais.

"Noventa por cento do que é feito através dos canais da Interpol são no âmbito de questões inerentes à PJ", avisa Manuel Rodrigues, acusando o Executivo de José Sócrates de estar a "alterar o modelo" da Polícia sem antes ouvir os seus responsáveis máximos. "Porque é que o fazem?", questiona o porta-voz da Polícia Judiciária. Avançando, de imediato, com uma provável explicação. "Por causa da ligação às outras polícias? O actual modelo não significa sonegação de informação às outras polícias." Manuel Rodrigues prossegue: "As coisas sempre funcionaram bem no âmbito da Polícia Judiciária e a Interpol e a Europol são organismos de polícia."

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A Associação Sindical da PJ também já manifestou total solidariedade aos seus responsáveis máximos, tendo garantindo ao PÚBLICO que apoiará qualquer iniciativa. "Se, no limite, a direcção avançar para a demissão terá a nossa total solidariedade", afirmou Carlos Anjos, garantindo que a PJ se encontra actualmente falida. "Se estivéssemos a falar de uma empresa particular, já tinha fechado. Ultrapassámos as piores expectativas, com os directores a serem obrigados a assumir compromissos pessoais."

O PÚBLICO sabe que a situação se precipitou quando os principais fornecedores da PJ, designadamente a GALP, a BRISA e a PT, ameaçaram cortar os serviços. Santos Cabral, director nacional da instituição, e os responsáveis pela área financeira e pela contabilidade, tiveram mesmo de assumir, eles próprios, que suportariam os débitos, caso aqueles não fossem liquidados. Compromissos que já ultrapassam os 500 mil euros, mas ainda não é certo que aquela verba seja disponibilizada atempadamente.Aliás, um ofício da Direcção-Geral do Tesouro, datado do início do mês, alertava a PJ para a impossibilidade de serem disponibilizadas verbas para despesas sem cabimento orçamental. O mesmo documento assumia, porém, que a PJ estava sub-orçamentada em 10,3 milhões e que é imprescindível serem feitas despesas como as de combustíveis para a frota ou os gastos com as telecomunicações.

Só salários estão garantidos

O buraco financeiro é de tal forma que a PJ, no primeiro trimestre, já acumulou dívidas a fornecedores de 2,4 milhões de euros. E sem liquidez de tesouraria corre o risco de parar a qualquer momento. O orçamento deste ano é, aliás, 62,57 por cento inferior ao de 2005 e só ainda não foi esgotado por estar a ser pago em duodécimos. No entanto, há cortes verdadeiramente problemáticos, que ameaçam parar a instituição, como as reduções nos combustíveis e no material de escritório. No primeiro caso, foi de 71 por cento e no segundo de 88 por cento. Relativamente a horas-extra e verbas acessórias, como as que correspondem aos cargos directivos, não estão a ser pagas desde Janeiro.

Ainda segundo o PÚBLICO apurou, a redução do financiamento da PJ foi mais sentida no montante das verbas provenientes dos "cofres dos tribunais", com nefasta repercussão nas despesas de funcionamento da corporação. A única rubrica que não está em risco de défice respeita aos vencimentos dos funcionários, que absorvem 90 por cento do orçamento da instituição, no montante de 83,7 milhões de euros. Destes, há actualmente quase 70 milhões de euros disponíveis porque o ano só leva três meses.

Quanto às restantes despesas, o Governo só disponibilizou cerca de cinco milhões de euros, quando os responsáveis da PJ entendiam que as despesas de funcionamento deviam atingir os 13 milhões. Menos ainda do que afinal agora é dado como certo como sendo o orçamento mínimo para as ditas rubricas, no entendendimento da Direcção-Geral do Tesouro.

As consequências desta ruptura de tesouraria podem ser fatais para o funcionamento da PJ. Sem combustíveis os carros não andam, com os telefones cortados não há escutas nem funciona o serviço de telecomunicações. E já se atingiram situações-limite como pedir a outros órgãos de polícia criminal para fazerem diligências por falta de dinheiro na Judiciária. "Não temos dinheiro para as deslocações", conclui Carlos Anjos.


Fonte: PUBLICO.PT e Diário de Notícias

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