sexta-feira, março 31, 2006

Judiciária, Governo recua


O Governo recuou ontem nas suas pretensões de retirar as ligações da Interpol e da Europol da alçada da Polícia Judiciária (PJ). O Conselho de Ministros cedeu ao ultimato da Direcção Nacional da Polícia, liderada pelo Juiz Conselheiro, Santos Cabral.

Mas podem já não existir condições para segurar a actual Direcção da Judiciária, apesar de fonte daquele organismo garantir ao Correio da Manhã que Santos Cabral “não apresentará a sua demissão” nem “antes, nem durante a reunião da próxima segunda-feira (com Alberto Costa)”.

“Não estamos apegados ao lugar. Fizemos um conjunto de exigências claras e que foram, parcialmente, resolvidas, a situação é para nós clara e sem ambiguidades. O ministro sabe o que queremos”, afirmou ao CM uma fonte da PJ.

Na questão orçamental, Alberto Costa veio dizer que o Ministério das Finanças já libertou um milhão de euros que irá directamente para os cofres da PJ. Mas segundo apurou o CM, este dinheiro, que foi disponibilizado no fim de Fevereiro, já foi todo gasto no pagamento de dívidas de 2005. “Um milhão de euros não vem resolver nada”, afirmou uma fonte da Direcção da Polícia.

Uma auditoria realizada pela Direcção-Geral do Orçamento (DGO) já este ano detectou um défice de financiamento na Polícia Judiciária de 10,3 milhões de euros. O relatório da 5.ª Delegação do Ministério da Justiça da DGO recomendava ao Ministério das Finanças que iniciasse a transferência imediata do Fundo de Provisão daquele ministério para a Polícia Judiciária à razão de um milhão de euros por mês. Estas transferências nunca foram realizadas ao ritmo que foi recomendado pela DGO.

ENCONTRO DECISIVO NO DIA 3 DE ABRIL

A reunião entre o Director Nacional da PJ, Santos Cabral, e o ministro da Justiça, Alberto Costa, foi pedida antes da reunião que juntou os vários directores nacionais adjuntos esta semana na Gomes Freire. Na actual conjuntura trata-se de um encontro decisivo para ambos os intervenientes e para a própria PJ.

Alberto Costa não pode ficar refém das exigências de um director-geral, mas também aparece como aquele que impediu que a ligação à Interpol e à Europol fugisse da esfera da Polícia, abrindo caminho ao esvaziamento de todas as estruturas de cooperação internacional que gravitam em torno da PJ. Santos Cabral entra como aquele que ficou ao lado dos seus homens, batendo o pé ao Governo, pela segunda vez. Não estão esquecidas as críticas que fez à constituição do Gabinete Coordenador de Segurança.

JUDICIÁRIA EM NÚMEROS

- 13 milhões: Orçamento, em euros, atribuído no ano passado à PJ para o funcionamento no dia-a-dia.

- 5 milhões: Orçamento de funcionamento para 2006: combustível, telefones, horas extraordinárias, luz, etc.

- 1 milhão: Valor transferido há uma semana para pagar dívidas de funcionamento relativas a Dezembro.

- 2,4 milhões: Dívida da Polícia Judiciária a fornecedores acumulada nos primeiros três meses deste ano.

- 83,7 milhões: Valor dos salários do pessoal da Polícia Judiciária em 2006 – única verba que está assegurada.

- 2762: Número de funcionários da PJ: directores, investigadores, pessoal de apoio, auxiliares, operários.

- 1194: Número de inspectores de investigação criminal ao serviço da Polícia Judiciária.

O QUE É A INTERPOL E A EUROPOL

O Gabinete Nacional da Interpol, na dependência da PJ, actualmente chefiado por Ana Mafalda, faz a ligação às Polícias de 180 países: assegura a execução de mandados de captura internacionais e troca informações sobre redes criminosas transnacionais. O Gabinete da Europol, chefiado por Joaquim Pereira, tem as mesmas funções para os países da União Europeia.

A GUERRA DOS COSTAS

A divergência de entendimento entre António Costa, ministro da Administração Interna (MAI), e Alberto Costa, ministro da Justiça (MJ), ficou ontem sanada no Conselho de Ministros com a decisão de se manter a Interpol e Europol na alçada da PJ, ou seja, na tutela da Justiça. Impediu-se assim a saída destes organismos para a tutela, mesmo que indirecta, do MAI, como foi proposto pela Comissão Técnica do PRACE .

Os argumentos para retirar à PJ as relações com a Interpol e Europol “foram técnicos, mas a decisão foi política e tomada em total liberdade”,explicou Alberto Costa, sublinhando o facto de “haver sempre motivos técnicos, mas a decisão política deve presidir”.

Segundo apurou o CM junto de fonte próxima do processo, “tudo ficou na mesma porque o ministro da Justiça não estava de acordo com a proposta e fez valer a sua posição”.

Instado a responder à acusação segundo a qual o Governo recuou na decisão devido a pressões, Alberto Costa foi taxativo: “Nenhuma pressão pode, num Estado democrático, influenciar o Conselho de Ministros ou um Governo.”

“As divergências entre Costas”, expressão usada ontem pelo deputado do CDS-PP Nuno Magalhães para se referir ao caso, é mais um episódio da velha ‘guerra’ entre o ministério das ‘Polícias’ e o da Justiça sobre o controlo da PJ.

A proposta da comissão, que teve a oposição frontal dos sindicatos e da direcção da PJ, que ameaçou demitir-se em bloco, não era a passagem da PJ para a tutela do MAI. Tratava-se apenas de integrar o Gabinete Interpol e a Unidade Europol (desde sempre na PJ) no Gabinete de Coordenação e Segurança, sediado na Presidência do Conselho de Ministros (PCM) sob a tutela directa do primeiro-ministro.

Ora acontece que José Sócrates delegou as competências do Gabinete de Coordenação e Segurança em António Costa (número dois do Governo). Deste modo, a PJ, embora continuasse na alçada da Justiça, perdia o seu interlocutor internacional e, portanto, capacidade de investigação.

Em contrapartida, o MAI, que já controla a PSP, GNR e SEF, ganhava competências, pois ficava com o controlo das informações de investigação criminal partilhadas pela Interpol e Europol.

SERVIÇOS OPERACIONAIS

ANTÓNIO COSTA (Ministro da Administração Interna)

AUTORIDADE DE PROTECÇÃO CIVIL

Integra o Conselho Nacional de Bombeiros - Competente para prevenir os riscos colectivos inerentes a situações de acidente grave, catástrofe ou calamidade.

SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) - Polícia de imigração e estrangeiros com competência para fiscalizar a circulação de pessoas.

PSP - Inclui Comissão de Explosivos, Escola Prática de Polícia e Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna.

GNR - Força de natureza militar constituída por grupos territoriais, Brigada de Trânsito e Brigada Fiscal.

GABINETE COORDENADOR DE SEGURANÇA

Órgão especializado de coordenação de assessoria e consulta para a coordenação técnica e operacional da actividade das forças e serviços de segurança e funciona na dependência directa do primeiro-ministro ou, por delegação, do Ministério da Administração Interna. Integra o Gabinete Sirene e previa a inclusão do Gabinete Europol e Unidade Interpol.

ALBERTO COSTA (Ministro da Justiça)

DIRECÇÃO-GERAL DE SERVIÇOS PRISIONAIS

Órgão auxiliar da administração judiciária a quem cabe orientar os serviços de detenção e execução das penas e medidas de segurança e efectuar estudos sobre o tratamento de delinquentes.

PJ (Polícia Judiciária) - Inclui Gabinete Interpol e Unidade Europol. Polícia criminal com competência para a investigação da grande criminalidade complexa e transnacional. Este sector esteve para passar para o gabinete coordenador de segurança, sob alçada de António Costa.

INSTITUTO DE MEDICINA LEGAL - Entidade a quem cabe a realização de perícias médico-legais por determinação dos tribunais em processos judiciais.

CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS - Competente para a formação profissional de magistrados e de assessores nos tribunais.

"ORGANISMOS PRECISOSOS" (MARIA JOSÉ MORGADO, PROCURADORA)

A Interpol e a Europol são organismos preciosos para o combate ao crime organizado, de natureza policial, e são destinados à perseguição penal desses fenómenos.

A partilha destas informações tem de ser sempre encarada no plano do combate ao crime organizado, da partilha de informação entre Polícias e da cooperação policial e judicial. Como tal, a PJ não pode nunca ser afastada destes organismos, sob pena de não haver resposta para todas essas ameaças.

É altamente desaconselhável fazer mexidas nessas áreas sem se perceber qual é a estratégia da polícia criminal de combate ao crime organizado. Tem de haver um projecto. Quanto à redução de orçamento, acho que isso não devia acontecer. Uma Polícia ‘pé-descalço’ é uma mensagem de impunidade para o crime. Em Espanha não há limites de orçamento para a polícia.”

LEI-QUADRIO CRIMINAL APROVADA

A Unidade de Missão para a Reforma Penal, liderada por Rui Pereira, elaborou o anteprojecto da lei-quadro da política criminal, ontem aprovada na Assembleia da República, com os votos favoráveis do PS e CDS-PP, contra do PCP e Verdes, e abstenção do PSD e BE.

Esta lei prevê que seja o Parlamento, por ordem do Governo, a definir, de dois em dois anos, as prioridades nacionais no combate à criminalidade e cria ainda condições para se avaliar e prestar contas.

No entanto, o procurador-geral da República, Souto Moura, questionou anteontem à noite, em Coimbra, vários pressupostos desta lei-quadro, entre eles o princípio da legalidade, com o estabelecimento de prioridades da política criminal.

(...)

Fonte: Correio da Manhã

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