segunda-feira, março 27, 2006
Impunidade
Eduardo Dâmaso
"Um ano depois da entrada em vigor do novo Código da Estrada, as taxas de sinistralidade continuam elevadas. Os condutores abrandaram um pouco na velocidade, mas continuam a ingerir álcool e a incorrer em graves factores de risco ao volante. Na prática, a guerra civil continua nas estradas portuguesas e não há indícios de enveredar por qualquer armistício, bem pelo contrário.
O Governo aprovou um novo Plano Rodoviário Nacional e, nesse quadro, medidas mais restrititivas em matéria de multas, mas persiste o grave problema de impunidade que atravessa transversalmente o país e continua a ser um factor determinante neste problema. O número de condenações em tribunal a pena de prisão efectiva de condutores que praticam verdadeiros homicídios premeditados nas estradas continua num patamar irrisório. Os tribunais permanecem avessos a aplicar a pena de prisão efectiva, quando é caso disso, ou mesmo medidas alternativas que infelizmente nunca saíram da excepcionalidade.
A justiça, habitualmente intransigente com a pequena criminalidade, comporta-se de forma estranhamente indulgente com a grande delinquência rodoviária, que mata, fere e estropia, preferindo conformar-se com os limites mais suaves do Código Penal, criando uma cultura sancionatória completamente arredada daquilo que é a censurabilidade social em relação a este tipo de crimes.
Não é suportável que as decisões permaneçam quase invariavelmente na condenação por homicídio por negligência e na pena suspensa quando os factos de alguns acidentes demonstram comportamentos que, pelo excesso de velocidade ou pelo consumo de álcool, estão muito para lá da pura negligência. São aquelas ocasiões - cada vez mais frequentes - em que o carro é equiparável a uma pistola ou a uma arma branca.
Afinal, se não se enfrentar de uma vez este problema que afecta anualmente mais de duas mil famílias, de forma irreversível, ficará sempre, em governantes, magistrados, cidadãos, o travo amargo de estarmos a contribuir com elevadas doses de silêncio e de omissão para uma tragédia diária que nos afunda enquanto povo.
É imperioso ir acabando com esta ideia de vivermos numa sociedade onde a transgressão e a impunidade foram elevadas à categoria de comportamento e benefício dominante. Comecemos por atacar o crime do asfalto."
in Diário de Notícias
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário