quinta-feira, março 30, 2006

Souto Moura questiona proposta de lei-quadro da política criminal


O procurador-geral da República, Souto Moura, questionou ontem à noite, em Coimbra, vários pressupostos da proposta de lei-quadro da Política Criminal, entre eles o princípio da legalidade, com o estabelecimento de prioridades de política criminal.

Ao intervir num jantar promovido pela República do Direito de Coimbra, Souto Moura afirmou que "é possível antever consequências", na medida em que os crimes não prioritários vão demorar mais tempo, nomeadamente a pequena e média criminalidade, em que os prazos de prescrição são mais curtos.

Nestes casos, o magistrado teme que "regresse o fantasma das prescrições, recaindo o odioso sobre o Ministério Público", para além de induzir o factor psicológico de que "o crime não prioritário é impune".

"Antevejo uma possibilidade de existir maior número de arquivamentos porque não se investigou em cima do acontecimento por não ser prioritário", afirmou o procurador, sublinhando que as investigações devem começar logo para não se perderem vestígios de prova.

Relativamente aos critérios de escolha das prioridades, Souto Moura defendeu uma maior flexibilização da lei de política criminal, adaptada a uma conjuntura temporal e a uma ideia de regionalização.

"O que é prioritário para Bragança não é seguramente o mesmo que para a Amadora", exemplificou o magistrado, defendendo uma tipificação de crimes por regiões.

Sobre a proposta de lei-quadro, Souto Moura questionou também "o contexto constitucional da iniciativa e a intervenção da Assembleia da República", estranhando que o documento não tivesse ficado circunscrito ao domínio do Governo.

A cooperação entre o Governo e o Ministério Público seria, nas palavras do procurador-geral, "um sinal de maturidade e consolidação de autonomia do MP e de bom relacionamento institucional".

O magistrado questionou ainda em que plano se vai situar o relacionamento do Parlamento com o procurador-geral da República, referindo que o Ministério Público não pode ser associado ao êxito ou ao falhanço da política criminal aprovada pela Assembleia da República. "Será ao nível da consultadoria ou prestação de contas da magistratura? Em que medida é que um órgão de soberania responde perante outro se não depende dele? Estas questões devem ser muito bem ponderadas", frisou Souto Moura.

A proposta de lei-quadro da política criminal, diploma em que o Governo passa a definir em cada dois anos as prioridades no domínio da política criminal, foi aprovada pelo Conselho de Ministro em Dezembro de 2005.


Fonte: PUBLICO.PT

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