sexta-feira, março 31, 2006

A crise da PJ


Eduardo Dâmaso

"A Polícia Judiciária está confrontada com um grave problema de desconfiança por parte do Governo quanto à importância do seu papel na investigação criminal. Não tenhamos ilusões nem procuremos subterfúgios linguísticos, é disso que se trata: o Governo não tem confiança na PJ.

Se assim não fosse, esta polícia de investigação criminal não estaria confrontada com uma grave asfixia financeira, não teria sido objecto de uma tentativa de amputação de uma componente essencial do seu relacionamento internacional com outras polícias, não estaria confrontada com o seu afastamento da liderança da reacção a factos criminais muito graves.

Toda esta conjuntura é, no mínimo, estranha. Mais ainda quando se verifica que a subtracção da Interpol e da Europol, organismos essenciais da cooperação internacional quando são pedidas investigações a polícias estrangeiras para inquéritos nacionais, implica a concentração de um fluxo de informação criminal em segredo de justiça no Gabinete Coordenador de Segurança, ou seja, ao alcance do SIS e do próprio Governo.

Esta não é, obviamente, uma mistura aceitável, já que coloca num organismo submetido, em primeira instância, a mecanismos de decisão política e não judicial, informação relacionada com a investigação de casos concretos.

A partir daqui toda a suspeita é legítima e o Governo está a pôr-se na linha de fogo, ainda que se resguarde com um relatório da União Europeia mas que não tem um carácter impositivo.

Para já, é neste contexto que devem procurar-se as explicações para esta extravagante crise de uma das mais prestigiadas instituições de investigação criminal do País aos olhos da população. Queira qualquer Governo ou não, é mesmo assim: a função, a vocação, a eficácia, a história da PJ são respeitadas pelos portugueses e vai mal quem as submeta a pressões de qualquer espécie que não sejam inteligíveis por critérios de racionalidade e respeito por princípios fundamentais de direito.

O Governo está, pois, a meter-se por um caminho ínvio. No curto prazo até pode concretizar a concentração de poder no topo da hierarquia e na Administração Interna. Mais tarde, a factura a pagar poderá ser brutal. Desde logo porque está a instalar um clima de guerra civil entre os pode- res de Estado. Mas sobretudo porque manter por muito tempo um controlo absoluto de tudo o que nos aborrece é impossível."


in Diário de Notícias

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