quinta-feira, fevereiro 02, 2006
Código Processo Civil discutido no Parlamento
Intervenção do Secretário de Estado da Justiça, João Tiago Silveira, proferida na Assembleia da República, em 2 de Fevereiro de 2006, a propósito da discussão na generalidade da Proposta de Lei n.º47/X.
A Proposta de Lei foi aprovada, na generalidade, com os votos favoráveis do PS, PSD, CDS-PP e BE e com a abstenção do PCP-PEV.
Intervenção proferida pelo secretário de Estado da Justiça, João Tiago Silveira:
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
A Proposta de Lei que hoje se discute nesta câmara visa três objectivos para uma Justiça melhor:
1.º - Descongestionar os tribunais, aliviando a pressão processual a que se encontram sujeitos;
2.º - Desbloquear a acção executiva, para melhorar a resposta do sistema judicial quando tenha de ser utilizado para a cobrança de dívidas;
3.º - Criar condições para a desmaterialização de processos e para uma verdadeira utilização dos sistemas de informação e gestão nos tribunais.
1. Com esta Proposta de Lei continuamos a concretizar o Plano de Descongestionamento dos Tribunais.
Continuamos a reduzir a carga processual a que os tribunais estão sujeitos, retirando da esfera judicial o que lá não precisa de estar.
Continuamos a criar condições para que o precioso tempo dos magistrados e funcionários judiciais esteja direccionado para uma melhor e mais rápida resposta aos cidadãos e às empresas, evitando que esse tempo esteja alocado a questões que melhor podem ser resolvidas fora dos tribunais.
Foi por isso que este Governo já reduziu drasticamente a necessidade de recorrer ao tribunal para recuperar o IVA. Agora, para dívidas até ao valor de 8000€ deixou de ser necessário utilizar sistematicamente o tribunal para certificar a incobrabilidade das dívidas.
Foi também por isso que este Governo permitiu que, durante este ano, quem desista de acções judiciais pendentes para cobrança de dívidas possa recuperar o IVA já suportado.
E foi também por estas razões que o Governo apresentou propostas pendentes nesta Assembleia para converter as transgressões e contravenções em contra-ordenações. Assim se evitarão que milhares de processos tenham de ser sempre apreciados pelo tribunal. Parece incrível, mas ainda é verdade: uma parte substancial dos processos penais pendentes referem-se à circulação em transporte público sem bilhete ou à passagem numa portagem sem pagar.
Foi ainda por isso que este Governo actuou noutras áreas:
- no domínio dos seguros, evitando os frequentes litígios em torno do pagamento dos respectivos prémios;
- no domínio dos cheques sem provisão, descriminalizando essa conduta até 150€;
- no domínio do regime da dissolução de sociedades, que é responsável por dezenas de milhar de potenciais processos no sistema judicial;
- no domínio da injunção, alargando a possibilidade de utilização deste rápido mecanismo;
- E actuou ainda no domínio das execuções do Estado para cobrança de custas até 400€, prevendo a extinção da instância em processos em que existem menos de 10% de hipóteses de sucesso na cobrança dos montantes aí em causa.
O Governo volta agora a actuar para aliviar os tribunais.
Adopta-se nesta Proposta de Lei a regra da competência do tribunal do domicílio do devedor como regra para determinar o tribunal competente numa acção para cobrança de dívidas.
A explicação para a adopção desta medida é bastante simples.
Hoje em dia, fruto de uma sociedade pautada pelo consumo de massa, multiplicam-se os fenómenos de incumprimento contratual. Em consequência, dá-se, por parte dos grandes agentes económicos, um recurso massivo aos tribunais como meio de assegurar a satisfação do seu crédito, ocupando uma larga faixa dos recursos disponíveis nos tribunais.
Este acumular de processos ocorre essencialmente nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. E isto porque as empresas com maior volume de litígios judiciais têm a sua sede instalada nestas duas áreas.
A medida proposta altera esta situação, fazendo com que as acções sejam propostas no tribunal da residência do réu. E tem uma dupla vantagem:
Por um lado, é reforçado o valor constitucional de protecção do consumidor, aproximando-se a justiça do cidadão.
Permite-se que o litígio seja resolvido num tribunal territorialmente mais perto do domicílio do consumidor, evitando-se que este se veja forçado a deslocações que podem envolver centenas de quilómetros para poder estar presente numa audiência de julgamento.
Por outro lado, obtém-se um maior equilíbrio na distribuição territorial da litigância e evita-se alguma da sua concentração nos grandes centros urbanos.
2. O segundo objectivo desta Proposta de Lei é contribuir para o desbloqueamento da acção executiva.
Hoje ainda não é possível fazer uma avaliação rigorosa sobre o novo sistema introduzido pela Reforma da Acção Executiva.
Trata-se de uma reforma à qual não foram dadas as condições infraestruturais necessárias à sua implementação, que só recentemente foram adoptadas por este Governo.
Com efeito, e é preciso dizê-lo, já está mais do que provado que as grandes reformas dos códigos, não resolvem, por si só, os problemas da justiça. Tão importante como uma boa legislação são as condições necessárias à sua aplicação.
É preciso, quando se reforma pela via legislativa, reformar também os procedimentos, preparar os aplicadores, formar os utilizadores de tais diplomas para os novos métodos a implementar e criar a organização necessária para as alterações.
Foi isto que faltou à Reforma da Acção Executiva.
É um facto que não foram criadas as condições infraestruturais necessárias para que a Reforma da Acção Executiva entrasse em vigor, em 15 de Setembro de 2003.
Essas condições só começaram verdadeiramente a ser asseguradas com as 17 medidas para o desbloqueamento da acção executiva que este Governo aprovou.
Medidas que vão desde a criação de aplicações informáticas com funcionalidades mais eficazes e tramitações desmaterializadas, passando pela autuação de processos pendentes, pela criação de novos juízos de execução e pela criação de um depósito público.
Uma dessas medidas visou resolver o problema da carência de solicitadores de execução. É essa medida que se apresenta nesta Proposta de Lei.
É um facto que existe uma falta de solicitadores de execução e que a cobertura do território nacional neste campo é insuficiente.
Mas também é verdade que o regime legal não facilita as coisas.
Hoje, para efectuar operações de execução, só pode ser designado um solicitador de execução da comarca por onde deva correr essa execução, ou das comarcas limítrofes.
Não existe, portanto, inteira liberdade para designar um solicitador de execução. Caso o exequente de Lisboa queira realizar uma execução em Montemor-o-Novo, tem de designar um solicitador dessa comarca ou das limítrofes. E nessas comarcas podem faltar, ou existir uma escassez de solicitadores de execução.
Esta limitação prejudica, pois, a liberdade de escolha do solicitador de execução. E agrava o problema da falta de solicitadores de execução em certas zonas do país.
Por isso, as regras devem mudar.
Por isso, o exequente deve poder escolher qualquer solicitador de execução, de qualquer parte do país, para realizar qualquer execução em qualquer parte do território nacional. Especialmente naquelas áreas onde faltam solicitadores.
Actuamos, pois, a montante e a juzante.
A montante, autuando as centenas de milhar de processos por autuar, que esperavam esse passo burocrático para iniciar a execução e ser distribuídos aos agentes de execução.
A juzante, criando condições para que os solicitadores de execução possam actuar em todo o território nacional, assim contribuindo para resolver o problema da falta de solicitadores de execução.
Mas que fique igualmente claro, Senhores Deputados, que o Governo continuará atento a esta questão e, sendo necessário, adoptará novas medidas para conferir força executiva à Reforma da Acção Executiva.
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
3. Em terceiro lugar, a proposta que hoje se apresenta cria condições para a desmaterialização de processos.
A desmaterialização de processos permite que, de uma vez por todas, o sistema judicial adopte e utilize ferramentas verdadeiramente facilitadoras de actividades profissionais que tanto carecem de novos instrumentos e novas práticas.
É a desmaterialização de processo e a adopção de aplicações informáticas evoluídas que permite a entrega de peças processuais on-line, a consulta do estado do processo através da Internet ou a tramitação electrónica dos processos, com as inerentes poupanças de meios e esforços em actividades burocráticas.
E é igualmente a desmaterialização de processos que garante a existência de elementos de segurança adicionais no sistema.
Um processo em papel é muito menos seguro:
Perde-se mais facilmente e circula sem hipóteses de controlo por mais mãos que um processo electrónico, sem registos de quem a ele acedeu.
Finalmente, é a desmaterialização de processo que permite a existência de dados e elementos para a gestão de tribunais e da sua carga processual:
- Dados para o juiz gerir melhor o seu trabalho e os seus processos;
- Dados para o presidente do tribunal assumir as suas funções de gestor da carga processual global do tribunal;
- Dados para os respectivos conselhos e o Ministério da Justiça poderem gerir os recursos disponíveis, monitorizar o funcionamento do sistema, acompanhar o resultado de medidas adoptadas e actuar preventivamente sempre que novas iniciativas sejam necessárias.
É por isso que este Governo vai desmaterializar os processos judiciais. Para haver:
- mais transparência;
- melhor gestão;
- mais acessos;
- melhor trabalho;
- mais informação.
E vai iniciar já este ano o processo. Vai iniciá-lo com a desmaterialização de recursos cíveis e da injunção, num processo que se desenvolverá ambiciosamente para outros ramos e categorias de tribunais.
Por isso são tão importantes as normas legais que viabilizem a existência de processos desmaterializados.
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Esta Proposta de Lei refere-se a três dos mais fundamentais objectivos de uma Reforma da Justiça.
E quem conheça os tribunais no terreno sabe bem que é assim.
É preciso aliviar os tribunais da pressão processual que sobre eles existe, para que possam ser mais bem geridos. É preciso descongestionar os tribunais.
É preciso desbloquear a acção executiva, pois é aí que mais intimamente se encontra o ponto de contacto entre o funcionamento da economia e os tribunais.
Um sistema de cobrança de dívidas eficaz é um factor acrescido de confiança para o investimento. E é esta a área onde, de facto, cresce a pendência processual.
É preciso desmaterializar os processos para que as condições de trabalho, a gestão do sistema judicial e o acesso aos tribunais sejam, de facto, melhores.
É por isso que o Governo apresenta esta proposta, com a disponibilidade de sempre para a melhorar com o contributo de todas as bancadas, em nome de uma melhor Justiça.
Ficheiro Anexo:
Consulte a Proposta de Lei n.º 47/X 51.0 Kb
Fonte: MJ
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