terça-feira, fevereiro 07, 2006

Relação ignora cópia de segurança das gravações das audiências do processo Cristina Maltez


O juiz Carlos Alexandre, do Tribunal da Boa-Hora, ficou “perplexo” quando soube que o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) ordenou a repetição do julgamento de Cristina Maltez, a ex-funcionária da Procuradoria-Geral da República (PGR) que foi condenada a quatro anos e seis meses de prisão, pelo crime de “burla qualificada”.

“Tive o cuidado de procurar saber se foi feita uma cópia de segurança do que foi dito durante as audiências. Comprovei que tal cópia de segurança existe. E tive a oportunidade de ouvir longos excertos do que foi dito pelos principais intervenientes – como a arguida Cristina Maltez – e concluí que as gravações são perfeitamente audíveis”, disse Carlos Alexandre ao CM.

E acrescentou: “Respeito a decisão de um tribunal superior, mas não escondo que fiquei perplexo com o facto de ter sido determinada a repetição do julgamento. Creio, todavia, que também o Tribunal da Relação terá procedido à audição das cassetes, bem como da cópia de segurança. É este, aliás, o procedimento normal em situações em que está em causa a repetição dos julgamentos”.

O CM apurou junto de fonte judicial que a desembargadora Margarida Vieira de Almeida, relatora do acórdão que ordenou a repetição do julgamento de Cristina Maltez, não solicitou ao Tribunal da Boa-Hora que lhe fosse enviada a cópia de segurança da gravação das audiências.

O magistrado que presidiu ao julgamento de Maltez formando colectivo com João Bártolo e Nuno Dias Costa observou, ainda, que a sala onde decorreu o julgamento “é pequena e não terá condições de insonorização adequadas”. “Apesar disso, não se pode colocar em causa o trabalho de uma secção que nunca teve qualquer problema relacionado com as gravações das audiências.”

Quanto à possibilidade de Maltez voltar a ser julgada pelo colectivo que a condenou a quatro anos e seis meses de cadeia, Carlos Alexandre adiantou: “Nenhum dos três juízes que efectuaram o julgamento se encontra ao serviço da 8.ª Vara. O acórdão diz que o julgamento deverá ser repetido pelo Tribunal ‘a quo’. Isto poderá querer dizer que são os juízes actualmente afectos à 8.ª Vara que o irão fazer”.

Contactada pelo CM, a desembargadora Margarida Vieira de Almeida referiu: “Não faço comentários sobre os julgamentos que faço”.

O CRIME DA EX-SECRETÁRIA DA PGR

O Tribunal da Boa-Hora considerou provado que, em 1999, Cristina Maltez “obteve” 50 mil contos [250 mil euros] “disponibilizados pelo assistente [o empresário Batista Lopes], correspondendo tal facto a um enriquecimento ilícito da sua parte e o correspondente prejuízo patrimonial do sujeito passivo, que lho emprestou”. Como a arguida, ex-secretária da PGR, nunca pagou o que pediu emprestado, os juízes Carlos Alexandre, João Bártolo e Nuno Dias Costa condenaram-na a quatro anos e seis meses de prisão, pelo crime de burla qualificada.

CASSETES PERCEPTÍVEIS

Teresa Azevedo, advogada de Cristina Maltez, disse ontem ao CM que para elaborar o recurso à sentença que condenou a sua cliente teve de ouvir várias cassetes com as gravações do julgamento. “Ouvi as partes relativas à dr.ª Cristina Maltez e ao assistente [o empresário Batista Lopes]. E consegui ouvir as gravações. Eram perfeitamente audíveis. Aquilo que ouvi foi o que foi dito nas audiências”, disse ao CM. A advogada recusou depois fazer mais comentários sobre a repetição do julgamento. Já Rodrigo Santiago, representante de Batista Lopes, considera que a repetição do julgamento “não deverá lesar os interesses do seu cliente, desde que seja feito pelos mesmos juízes”. “A decisão da Relação não teve a ver com qualquer problema técnico da sentença, mas com um eventual problema das gravações das audiências. Sendo assim, devem ser os mesmos juízes a intervir no julgamento”, acrescentou.

MAGISTRATURA ATENTA

Confrontado com as declarações do juiz Carlos Alexandre, o vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura, Santos Bernardino, assegurou que as irá analisar “assim que forem publicadas no Correio da Manhã”. “Por enquanto, não posso fazer qualquer comentário. Nem sobre o teor das declarações do magistrado nem sobre o acórdão do Tribunal da Relação. No entanto, assim que forem publicadas as declarações do senhor juiz, o conselho irá debruçar-se sobre o assunto e agirá em conformidade”, disse ao CM o vice-presidente do órgão responsável pela gestão e disciplina dos juízes, sejam eles de primeira instância ou de tribunais superiores (Relação e Supremo). A Procuradoria-Geral da República não quis fazer qualquer comentário sobre o acórdão da Relação e as declarações de Carlos Alexandre.

Fonte: Correio da Manhã

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