sábado, fevereiro 25, 2006

Políticos julgados apenas por tribunais superiores



As buscas domiciliárias e escutas telefónicas a ministros e deputados deverão passar a ser autorizadas por juízes de tribunais superiores e não, como acontece actualmente, pelos juízes dos tribunais de instrução criminal. Esta hipótese está em cima da mesa na Unidade de Missão para a Reforma Penal (UMRP) que diz respeito à criação de um foro especial de julgamento para titulares de órgãos de soberania.
Em declarações ao DN, Rui Pereira, coordenador da UMRP, afirmou que "a atribuição de um foro especial em julgamento para titulares de órgãos de soberania como deputados e ministros implica que actos jurisdicionais praticados em inquérito e em instrução sejam da competência do mesmo tribunal". Precisando: actos jurisdicionais são aqueles praticados pelo juiz, como são as autorizações para buscas domiciliárias e as intercepções telefónicas.
Esta questão foi levantada, anteontem à noite, durante uma tertúlia promovida pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público. Aí Rui Pereira admitiu que esta alteração à lei está em cima da mesa: "É uma questão que vale a pena ponderar", disse perante uma plateia de procuradores, juízes, advogados e jornalistas.
O coordenador da UMRP abordou o actual disposto no Código do Processo Penal (...), para equacionar o alargamento desta formulação a titulares de outros órgãos de soberania. Tal não passaria necessariamente pelo Supremo Tribunal de Justiça , mas poderia encaixar num Tribunal da Relação.
A primeira reacção à proposta partiu de Cândida Almeida, directora do DCIAP (Departamento Central de Investigação e Acção Penal). A magistrada foi clara: "Não estou de acordo com o foro [de julgamento] especial. Não me parece que haja necessidade." Perante algum burburinho que se gerou na sala do café Martinho da Arcada, Rui Pereira ainda afirmou tratar-se de uma hipótese, concluindo: "Não me parece que os juízes dos tribunais da Relação sejam mais benevolentes com os políticos." O comentário originou alguns sorrisos na sala.
Ontem, ao DN, Rui Pereira afirmou que a proposta em estudo na UMRP partiu de uma sugestão do ministro da Justiça, Alberto Costa, "no âmbito dos encontros que manteve com os partidos com representação parlamentar", tendo em conta as reformas dos códigos Penal e do Processo Penal.
Infecções e patos-bravos
Patente na tertúlia ficou alguma desconfiança dos operadores judiciários em relação às alterações no Código do Processo Penal. Sobretudo em matéria de escutas telefónicas. Recordando a sua passagem pela direcção da Polícia Judiciária, Euclides Dâmaso, director do DIAP de Coimbra, afirmou que o sistema hoje é bem mais seguro do que era há 16 anos.
E numa alusão à reforma penal em curso, recorreu à metáfora: assim como a gripe das aves caminha a passos largos pelo mundo, também a justiça é "um corpo sujeito a todo o tipo de infecções. E o veículo é o mesmo: os patos-bravos".

Rui Pereira diz que não se conhece número de escutas

O Ministério Público sabe ou não quantas escutas telefónicas são realizadas por ano? Rui Pereira, coordenador da UMRP, afirmou, anteontem na tertúlia promovida pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, que o ministro da Justiça pediu esse número ao procurador-geral da República, mas ainda não foi entregue "porque não existe". "Existe, existe", foi a reacção dos vários procuradores presentes no café Martinho da Arcada.
Foi essencialmente sobre escutas telefónicas que se falou durante a noite. João Ramos, membro do SMMP, começou por questionar como é que se investiga um tipo de crime que é "cada vez mais oculto", caso se aperte a malha legislativa para as intercepções telefónicas.
Por sua vez, Teófilo Santiago, responsável pela Direcção Central de Combate ao Banditismo da PJ, trouxe outra abordagem para o problema: "Até que ponto, em situações-limite como os raptos e os sequestros, não pode ser dispensável a autorização judicial? Nesses casos, os telemóveis são fundamentais."
Já José Mouraz Lopes, director do departamento da PJ de combate ao crime económico, garantiu que a central desta polícia é completamente blindada, revelando que em 2004, no âmbito do combate à criminalidade económica, a PJ fez 320 escutas e 147 em 2005.
Este responsável da PJ não vê nenhuma utilidade na criação de uma comissão de acompanhamento das escutas no seio do Conselho Superior da Magistratura, como pretende o Governo. "Será incluir mais uma área no sistema. Só nos países em que existem escutas administrativas é que existem essas comissões."
O advogado José António Barreiros preferiu colocar a tónica no controlo efectivo do juiz de instrução das operações. Isto tendo em conta as conversas que não são transcritas para os processos e uma eventual utilização que se faça das "sobras". Barreiros disse ainda que o recurso às escutas é uma forma relaxada de se fazer investigação criminal. Porque fica-se sentado com um auscultador no ouvido à espera que o suspeito confesse o crime ao telefone.
Fonte: Diário de Notícias

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