domingo, fevereiro 05, 2006
Justiça faz penhoras ilegais
Juízes, advogados e MP vão escrever ao ministro da Justiça. Erros são constantes e quem sofre é sempre o visado.
Alguns fazem penhoras ilegais, gastam dinheiro em actos inúteis, não informam sobre o andamento dos processos e nem sequer conseguem cumprir a função essencial que lhes foi confiada: cobrar dívidas. Respondem pelo nome de solicitadores de execução e não erram por mal, mas por inexperiência. «Não receberam a formação adequada», refere ao PortugalDiário o secretário-geral da Associação Sindical dos Juízes (ASJP), Jerónimo de Freitas.
Não faltam exemplos de penhoras ilegais relatadas ao PortugalDiário por várias fontes judiciais: penhoras de salários mínimos (a lei não o permite), penhoras integrais de vencimentos (um terço é o máximo admitido) e penhoras de bens (de um andar, por exemplo) em heranças indivisas, quando apenas o direito à quota-parte do herdeiro/devedor o poderia ser.
Depois do erro feito, pior é desfazê-lo. Quando os visados reclamam para o juiz, este responde que não lhe compete levantar a penhora que não ordenou. Alertado para o erro, o solicitador tenta repará-lo na Conservatória do Registo Predial, mas esta responde que a lei só o permite mediante despacho de um juiz... e com isto se perde tempo e dinheiro.
Perante aquilo que dizem ser a «falência da reforma da acção executiva (cobrança de dívidas) juízes, ministério público e advogados decidiram enviar uma carta ao ministro da Justiça a exigir uma solução rápida para o problema considerado por todos: o mais sério que a Justiça atravessa neste momento.
O documento, que será elaborado pela Associação Sindical dos Juízes (ASJP), vai dizer muito claramente que, se os privados a quem o Estado delegou a competência para cobrarem as dívidas não o conseguem fazer devidamente, então a função deve regressar aos tribunais, concretamente aos oficiais de justiça.
Em causa está, de acordo com o secretário-geral da ASJPJ, a falência da reforma na cobrança de dívidas. «Não se consegue cobrar dívidas», diz. Os números de Lisboa espelham bem, segundo este juiz, a gravidade do problema: Nos juízos de execução de Lisboa (tribunais especializados na cobrança de dívidas) estão pendentes 160 mil processos, sendo que no ano passado apenas 1600 ficaram resolvidos.
Sucede que, todos os casos ficaram resolvidos ou porque o devedor pagou voluntariamente ou porque o credor desistiu. «Desde Setembro de 2003 (data em que a reforma entrou em vigor) até hoje, os solicitadores não fizeram uma única venda de bens». Por outro lado, há solicitadores com mais de duas mil acções em carteira, a que não conseguem dar resposta.
Na linha da frente dos protestos estão os advogados que não conseguem solucionar as acções dos seus clientes e que, com a atribuição destas funções aos solicitadores, perderam o rasto ao andamento dos processos. No regime antigo bastava dirigirem-se aos tribunais para conhecerem o estado dos processos, agora nem isso conseguem, porque muitas vezes os responsáveis pela cobrança das dívidas não prestam essa informação. «Alguns nem o telefone atendem», refere um advogado.
Ouvido pelo PortugalDiário o presidente da Câmara dos Solicitadores, Gomes da Cunha, referiu não ter conhecimento de um elevado número de erros, apenas de «casos pontuais», acrescentando que os solicitadores receberam a «formação adequada».
Justiça admite falhas
Estudo do Ministério da Justiça reconhece «morosidade» nas penhoras e formação «insuficiente» de quem cobra dívidas.
Formação «insuficiente» dos agentes responsáveis pela cobrança de dívidas, «incapacidade de resposta adequada» dos solicitadores de execução ao volume de processos, morosidade da penhora de veículos automóveis e penhoras de depósitos bancários «muito dispendiosas e de difícil concretização». Estão são apenas algumas das principais falhas que o Ministério da Justiça aponta ao novo regime de cobrança de dívidas (acção executiva).
Num relatório de «avaliação preliminar» da reforma da acção executiva, de Junho de 2005, e a que o PortugalDiário teve acesso, o Gabinete de Política Legislativa e Planeamento (GPLP) do Ministério da Justiça enumera o que considera ser os «principais aspectos disfuncionais» do sistema.
A inexistência de penhoras electrónicas, ao contrário do que estava previsto, os conflitos de competência com «a eventual prescrição de um considerável número de processos de coima», a par do difícil acesso às bases de dados, da Justiça e outras, por parte dos solicitadores de execução, integram ainda o rol de falhas apontadas.
Feito o diagnóstico, o GPLP apresenta 20 «propostas de intervenção administrativa e legislativa necessárias ao bom funcionamento» da cobrança de dívidas.
Entre elas, destacam-se a formação permanente dos vários operadores judiciários, a penhora electrónica de bens sujeitos a registo, a criação e a instalação de mais juízos de execução (tribunais especializados na cobrança de dívidas), a recuperação do atraso na distribuição dos processos, a adopção do formulário web, pondo termo à recepção dos requerimentos por correio electrónico e o reforço de pessoal nas secretarias de execução.
Para a realização do estudo, o GPLP visitou tribunais e ouviu representantes das associações sindicais dos juízes, solicitadores, funcionários e advogados, que há muito vinham denunciado todas as falhas que o Governo agora reconheceu.
Em declarações ao PortugalDiário, fonte do Ministério da Justiça explicou que algumas das falhas enunciadas no estudo já estão solucionadas. Concretamente, refere a mesma fonte, «desde 30 de Julho de 2005 que os requerimentos são entregues pela web», foram realizadas «75 acções de formação no ano passado» e contratado pessoal especificamente para abrir os vários milhares de processos recebidos nos tribunais. Apesar disso, em Lisboa continuam por abrir cerca de 30 mil processos.
O mesmo responsável refere ainda que os juízos de execução de Oeiras e Guimarães estão prestes a abrir as portas e o da Maia ficam com as obras concluídas em Março.
Cobrança de dívidas em risco
Tribunal de Lisboa sofreu corte radical no orçamento. Sem dinheiro para papel, correio ou telefone, funcionário escreveu ao MJ a dizer que pode estar «em risco» a recuperação dos graves atrasos nestas acções.
Mais de 100 mil acções para execução de dívidas estão em risco de sofrer novos atrasos, na sequência de cortes drásticos que o Ministério da Justiça introduziu no orçamento da Secretaria-geral de Execuções de Lisboa para o ano de 2006.
Papel e tonners destinados a impressoras e faxes são apenas alguns dos recursos que poderão faltar neste tribunal dentro de pouco tempo. As facturas de luz, água e telefone também podem ficar por pagar, assim como as despesas com a limpeza do edifício. Mas não é previsível que o tribunal fique às escuras, que as torneiras deixem de correr ou que os telefones fiquem mudos, porque a entidade devedora e credora é uma e a mesma: o Estado.
Em termos globais, o orçamento apresenta um défice de 30 por cento face às despesas do ano passado, mas determinadas rubricas sofreram cortes ainda mais radicais. É o caso dos gastos com papel (corte de 72 por cento), aquisição de tonners para impressoras e faxes (49 por cento)e correios (37 por cento).
Diante a necessidade de efectuar cortes, fonte da Secretaria-Geral de Execuções de Lisboa garantiu ao PortugalDiário que, dentro em breve, deixará de pagar as contas da água, electricidade e telefone «porque estes serviços não cortam o abastecimento». Seguir-se-á o não pagamento das facturas da empresa de limpeza. Por outro lado, garante, «dentro de pouco tempo poderá faltar papel no tribunal».
Numa carta enviada ao Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça (IGFPJ), datada de 19 de Janeiro, e a que o PortugalDiário teve acesso, o secretário de justiça deste tribunal pedia a antecipação urgente de duodécimos «a fim de fazer face aos compromissos assumidos, nomeadamente contratos de prestação de serviços e assistência técnica».
Face aos cortes generalizados nas diversas rubricas, o funcionário era categórico: «Não nos parece viável efectuar desde já qualquer transferência entre rubricas [sugerida pelo IGFPJ] pois as dotações para o ano 2006 são manifestamente insuficientes para fazer face às despesas prováveis no corrente ano».
O mesmo funcionário lembrava, por outro lado, que «haverá um aumento substancial de despesas, dado que já no corrente mês, e pelo período de seis meses, foram contratados trinta e seis tarefeiros e já se encontram nomeados mais dezanove funcionários para preenchimento do quadro da secretaria; tal facto leva a um aumento exponencial de consumo de papel, tonners, electricidade (mais 38 computadores, impressoras, fotocopiadores) água, produtos de higiene, correios, etc». A terminar, o secretário de justiça avisava que «poderá estar em risco os objectivos traçados para a recuperação dos atrasos desta secretaria», em que o Governo «tanto se tem empenhado, nomeadamente, com as contratações e preenchimento de quadros».
Recorde-se que vários milhares de processos recebidos no tribunal só foram abertos pela primeira vez e distribuídos, mais de um ano após a sua entrada.
Ouvido pelo PortugalDiário o IGFPJ refere que «no dia 20/01/2006 foi autorizada a esta Secretaria-geral uma antecipação de duodécimos nas rubricas de despesas correntes», mas na secretaria ninguém tem conhecimento de nada.
A confirmar-se a informação, o procurador coordenador da secretaria de execuções de Lisboa, Pina Martins, lembra que se trata de um paliativo, já que «sem um reforço orçamental, o mero adiantamento de duodécimos implica que chegará o mês em que não haverá dinheiro para as despesas».
O mesmo magistrado acrescenta que os cortes orçamentais só demonstram «que a vontade política de reformar a acção executiva (cobrança de dívidas) é mais do que nula, porque em vez de reforçar o orçamento, o Governo ainda veio reduzi-lo substancialmente».
Tribunais sem dinheiro
Há anos atrás, MJ pediu aos funcionários que levassem papel higiénico de casa. Situação pode repetir-se. Governo sugere transferência entre rubricas e, assim, «incentiva desobediência à lei».
O presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), Fernando Jorge, garante que o corte orçamental na Justiça é geral, apesar de os tribunais de maior dimensão, nomeadamente os palácios da Justiça de Lisboa e Porto, serem os principais afectados.
Na reunião que teve, (...),com o secretário de Estado-adjunto do Ministro da Justiça, Conde Rodrigues, o Sindicato pediu a imediata intervenção do Executivo, tendo o governante afirmado que «a situação iria ser regularizada».
Fernando Jorge acusa o Executivo de «irresponsabilidade orçamental» ao incentivar a transferência de verbas entre rubricas ou mesmo a antecipação de duodécimos nos orçamentos dos tribunais.
«A lei de execução orçamental obriga a determinados procedimentos. O Governo está a incentivar a desobediência à lei», critica este funcionário judicial, acrescentando que «o problema é que o orçamento não está dimensionado».
A resposta que o IGFPJ deu ao PortugalDiário não deixa margem a dúvidas: «Relativamente à questão mais global que é colocada, mantém-se o anteriormente exposto, ou seja, cada Tribunal tem ao seu dispor um conjunto de mecanismos de gestão orçamental, dos quais se destaca o recurso à gestão flexível, i.e., as transferências entre rubricas e, no caso de se verificar que mesmo assim não é possível fazer o pagamento integral da despesa, poderá propor a antecipação de duodécimos.» Nada se diz sobre um eventual reforço orçamental.
O procurador coordenador da Secretaria-Geral de Execuções de Lisboa, Pina Martins, garante que «pouco falta» para regressarmos aos tempos «de há quatro ou cinco anos atrás», altura em que uma circular do Ministério da Justiça, de António Costa, «pedia aos funcionários que levassem papel higiénico de casa porque o orçamento dos tribunais, para o efeito, já estava esgotado».
Fonte: Portugal Diário
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