quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Venda de crianças vai ser finalmente punida por lei


A venda de crianças com vista à adopção vai ser finalmente criminalizada em Portugal, com penas de prisão que podem chegar aos cinco anos, destinadas aos pais que vendem e também aos casais que compram. Uma lacuna do Código Penal contemplada na revisão que está a ser feita, tal como a inexistência, até agora, do crime de tráfico de pessoas.

Embora o tráfico de menores não tenha grande expressão em Portugal, todos os anos são adquiridas 120 mil crianças na Europa ocidental, a maioria provenientes de países de Leste, como a Rússia, a Albânia ou a Bulgária. Segundo o DN apurou, o novo artigo vai surgir logo a seguir ao que prevê o crime de escravidão, simbólico mas nunca aplicado por não abranger as novas formas de exploração e tráfico de seres humanos. As alterações ao Código Penal, que no total abrangem 80 artigos, são entregues pela Unidade de Missão da Reforma Penal ao Governo, no início do próximo mês.

O caso mais mediático do género ocorrido em Portugal ocorreu em Maio de 2004. Duas mulheres búlgaras, no final da gravidez, já com compradores para os seus filhos e munidas de visto, chegaram ao País por via terrestre e ao hospital já em trabalho de parto. Ao mesmo tempo, o acompanhante dirigia-se à recepção para fazer o registo em nome da futura mãe adoptiva - e era este documento hospitalar que servia para elaborar o assento de nascimento na conservatória.

As famílias compradoras, neste caso, eram de classe média, da região de Lisboa, e o negócio terá sido concretizado a troco de três mil euros. Só puderam ser acusadas de falsificação de documentos e falsas declarações no Registo Civil. A venda em si ficou fora da alçada penal: na lei portuguesa só estava prevista - e ainda só está - a venda de crianças para exploração sexual. As autoridades terão mesmo deixado um dos bebés com a família que o comprou, devido à existência já evidente de fortes laços afectivos. A outra criança foi para uma instituição de solidariedade social. As mães biológicas demonstraram sempre um total desinteresse pelos filhos.

Esta lacuna na lei, que há muito se sabe existir, já esteve por duas vezes para ser corrigida, a última das quais no âmbito da revisão do Código Penal apresentada pela ex-ministra da Justiça Celeste Cardona. Com a queda do Governo, voltou tudo à estaca zero. Até agora.

Extracção de órgãos

O tráfico de pessoas - que se refere não só a casos de exploração sexual, mas também a situações de exploração de trabalho e extracção de órgãos - terá uma moldura penal de dois a 8 anos, três a 10 quando envolva menores, segundo explicou ao DN o coordenador da unidade de missão, Rui Pereira. O caso específico da compra e venda de crianças para simples adopção - e aqui não podem estar incluídas situações de exploração ou outras, senão aplica-se o crime de tráfico de pessoas - surge no mesmo artigo mas noutro número, prevendo penas de um a 5 anos de prisão.

"Havia aqui uma lacuna, uma falha sancionatória: a conduta não era punível, não configurava um processo-crime - embora a adopção nesses casos fosse, obviamente, ilegal", refere Rui Pereira. As necessidades do direito penal vão mudando, tal como a sociedade, e a criminalização da compra e venda de crianças "resulta de uma nova visão da família que prescinde do laço sanguíneo, da verdade genética para a substituir por uma afectividade construída socialmente", explica ainda o penalista.

Bofetadas só depois dos 16

Outra alteração com implicações importantes para os menores é a passagem da possibilidade de consentimento do ofendido - casos em que o agente do crime do crime não é punido por anuência da vítima em relação ao acto praticado, prevista no artigo 38.º - da idade mínima de 14 para 16 anos. Dito de outra forma, "ninguém deve poder consentir na prática de um crime contra si, como uma bofetada ou pontapé, se tiver menos de 16 anos. É ilusório pensar que há autodeterminação aos 14, 15 anos para autorizar um comportamento desses", conclui Rui Pereira.

Fonte: Diário de Notícias

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