segunda-feira, fevereiro 06, 2006

'Greve de zelo' dos juízes adia audiências para 2008


Está instalado um verdadeiro clima de "guerra" entre as magistraturas e o Ministério da Justiça. Vários juízes e magistrados do Ministério Público (MP), um pouco por todo o País, estão há meses a fazer uma espécie de greve de zelo, marcando e dirigindo julgamentos e diligências apenas dentro do horário de funcionamento dos tribunais. Ou seja, até às 17.00.

Outros há, até, apurou o DN, que estão apenas a fazer julgamentos de manhã, de forma a terem a tarde livre para trabalho de gabinete, quando antes tinham o dia preenchido por sucessivos julgamentos (que muitas vezes iam além das 17.00) e deixavam a feitura de sentenças e a análise de processos para...madrugada dentro. Resultado muitas audiências de julgamento estão a ser adiadas para 2007 e até para 2008, como confirmou ao DN o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP).

Alexandre Baptista Coelho assume que esta "nova cultura" dos magistrados, que não põe em causa os actos urgentes - nada mais é que uma "atitude de revolta" contra o Governo por lhes ter "imputado a responsabilidade pela morosidade da justiça", ao alterar o seu regime de férias. "Sentimo-nos injustiçados e indignados e, por isso, os juízes, que sempre trabalharam pela noite dentro, estão a marcar os julgamentos de acordo com a disponibilidade da sua agenda e da sala de audiências". O dirigente sindical garante que, "por todo o País, de norte a sul, os juízes têm seguido esta regra". Os juízes não estão vinculados a um horário, mas fazem agora questão de se reger pelo dos tribunais.

O DN contactou alguns tribunais judiciais e ficou a saber que em Beja, Faro e Braga, por exemplo, os juízes estão de facto a reduzir o número de julgamentos diários, o que está a implicar o adiamento de audiências para 2008. O mesmo está a suceder em Lisboa, no Tribunal da Boa Hora, segundo um funcionário judicial.

MP também revoltado

Igual atitude está a ser seguida pelos magistrados do MP. "O esforço suplementar que havia desapareceu", confirmou ao DN o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Cluny. E disse mais "Tudo o que tem a ver com diligências públicas faz-se até às 17.00 e não passa disso. Quando em Março for divulgado o relatório da Procuradoria-Geral da República vai ser visível a quebra de produtividade..."

O DN falou com uma magistrada do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP), que nos contou que estes profissionais "deixaram de trabalhar aos fins-de-semana e durante as férias - aparecia cá muita gente mesmo durante as férias -, e começaram também a interromper interrogatórios, umas vezes às 22.00, outras às 17.00". "Existe uma atitude de menor sacrifício, depois de o Governo ter denegrido a nossa imagem", sublinhou, atirando, em tom irónico "Estamos a adequar o nosso procedimento a essa imagem."

A "greve de zelo" da magistratura - Alexandre Baptista Coelho rejeita a ideia de que se trata de uma greve desta natureza - está a ser sentida pelos advogados. O bastonário, Rogério Alves, critica a forma como o Governo procedeu com a classe no que respeita ao regime de férias, mas lamenta que estejam a "ser adiados julgamentos para 2007 e 2008". E confirma "De há uns tempos a esta parte, muitos, mesmo muitos juízes, passaram a cumprir horário mais reduzido."

O advogado José Miguel Júdice, ex-bastonário, foi um dos que já "viveram na pele"os efeitos do protesto dos juízes "A generalidade está a acabar os julgamentos às 17.00. Já me aconteceu em Lisboa e no Algarve. E existem juízes que, embora tenham essa regra, não a aplicam em dado momento por consideração com o advogado, como me aconteceu no Algarve. Mas existe, sim, uma atitude de crispação e uma resposta dos magistrados do tipo grevista", disse ao DN. O ex-bastonário, que criticou a greve levada a cabo pelos juízes em Outubro de 2005, está agora ao lado deste protesto: "Não se lhes pode pedir que trabalhem mais que o exigível." E critica a actuação do Governo: "Mudar o regime de férias sem articular com outras reformas é um erro."

No final, fica a questão quem é, na prática, o maior prejudicado pela "guerra" entre magistratura e Governo? Todos concordam: "É o cidadão." É, também, a justiça. "A celeridade da justiça pode ficar pior", admite o presidente da ASJP. "Eventualmente, pode prejudicar o cidadão, como prejudica a mim que o mecânico esteja fechado ao domingo e que as Finanças fechem depois das 16.00", disse ao DN Fernando Jorge, presidente da Associação dos Funcionários Judiciais. O sindicalista admite que a "nova atitude" dos juízes vai "aumentar o número de processos pendentes", mas logo remata: "O que estamos a fazer é normal, anormal era a situação anterior."

Fonte: Diário de Notícias

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