segunda-feira, abril 03, 2006
Um Governo num Telhado de Vidro
Na sequência dos repatriamentos de emigrantes portugueses vindos do Canadá, a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, alerta para a dura realidade da imigração, também em Portugal. E para o facto de as pessoas não serem coisas ou tratadas como meros objectos que se empacotam ou expedem a toda a velocidade.
"Um Governo num Telhado de Vidro
03-04-2006
A notícia parece ter caído que nem uma bomba na sociedade portuguesa: emigrantes portugueses em situação ilegal no Canadá receberam ordens de imediato repatriamento, sinal do óbvio endurecimento da política de imigração do novo Governo conservador.
E a situação tenderá a “piorar”, pois, recorde-se, há cerca de 15 mil emigrantes portugueses em situação ilegal no Canadá a trabalhar, sobretudo na construção civil. Há portugueses que vivem há mais de uma década no Canadá. Têm casa, carro, filhos na escola, compromissos, amigos, enfim, laços difíceis de quebrar.
Para além deste drama humano a que todos temos assistido, a preocupação surge aqui acrescida pela actuação de associações criminosas que vivem do fenómeno migratório, as quais, em troco de muitos milhares de dólares acalentam a esperança dos cidadãos ilegais contornando a lei da imigração, pedindo asilo ou invocando razões humanitárias. A verdade é que foi assim que foram detectados pelas autoridades canadianas.
De todo o modo, para além de muitos outros aspectos legais, o certo é que muitos dos portugueses que estão a ser repatriados podem, legitimamente, sentir-se enganados pelos canadianos que, tendo incentivado a imigração no passado, resolveram, agora, ser mais criteriosos e expulsar os “indesejáveis” indocumentados, muitos dos quais estariam legais e só por falta de renovação das suas autorizações de residência se viram numa situação absolutamente precária. Há, por isso, fortes indícios de que tudo estivesse previamente planeado.
As autoridades portuguesas, acompanhando como podem e sabem a situação dramática desta gente, em especial o Ministro dos Negócios Estrangeiros, têm advogado que não estarão a ser cumpridas todas as formalidades legais no repatriamento destes emigrantes, questionando, por exemplo, porque não estão a expulsar cidadãos de outras nacionalidades, que estarão nas mesmas condições. A ser verdade, a situação é gravíssima sob o ponto de vista das garantias destes cidadãos, designadamente porque o direito de recurso estar-lhes-á a ser coarctado e por que o princípio da igualdade está a ser flagrantemente violado.
Contudo, o Governo português tem reivindicado e de certa forma apoiado estes cidadãos em cima de um telhado de vidro, pois, talvez se tenham esquecido, que fazem o mesmo em Portugal.
Quantas vezes assistimos na comunicação social ao relato de notícias das operações levadas a cabo pelo SEF de detecção de imigrantes ilegais? Quem não se recorda de uma célebre passada no Intendente em Lisboa quando até levaram autocarros para fazer o transporte dos cidadãos estrangeiros? Será que estas pessoas são inferiores a estes portugueses?
Em boa e dura verdade é um drama igual ou muito semelhante ao dos portugueses que estão no Canadá, por isso não se compreende a indiferença nuns e a diferença de outros. A realidade portuguesa mostra-nos que cerca de metade dos cidadãos estrangeiros em situação ilegal convidados a deixar voluntariamente território nacional não o fazem, preferindo “aguardar” a sua eventual detenção e aí iniciar-se um processo de expulsão. Foi o que muitos portugueses fizeram.
Não estranhemos, no entanto, estes acontecimentos, pois, um pouco à semelhança do sistema legal canadiano, o português propugna também o máximo de obstáculos à imigração. É a política de barreiras ou fronteiras intransponíveis.
Obviamente acreditamos que um direito irrestrito de entrada no nosso território não é exequível, no entanto parece-nos que os cidadãos estrangeiros que trabalham no nosso país, contribuindo para os cofres do estado, e, mais, contribuindo para a construção de um Portugal melhor e mais rico cívica e culturalmente, devem ser objecto de decisões políticas humanizadas, como deveria ter acontecido no Canadá.
As pessoas não são coisas, nem são objectos. Sobretudo, e em certas circunstâncias, não se expulsam liminarmente, “empacotadas” e “expedidas” a toda a velocidade...
Rui Elói Ferreira
Membro da CDHOA"
Fonte: Ordem dos Advogados
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