quarta-feira, novembro 02, 2005

Um Advogado Injustamente Perseguido - Comunicado da CDHOA

UM ADVOGADO INJUSTAMENTE PERSEGUIDO
NÃO É PROPRIAMENTE UM HINO À LIBERDADE, MAS É CERTAMENTE UMA MEDALHA DE MÉRITO À SUA CORAGEM E INDEPENDÊNCIA
(02.11.2005)
Dos advogados, diz-se que são os que advogam, os que pleiteiam, os que defendem, os que aconselham, os que litigam, os que sindicam, os que contestam, e, sobretudo, os que representam.
Representam os direitos e interesses de terceiro dentro do quadro legal vigente. Ou seja, o advogado, como homem de saberes práticos e técnico da ciência do Direito, propugna pela (boa) aplicação das disposições legais, bem como pela sua (melhor) interpretação jurisprudencial e doutrinal, para acautelar e defender os interesses do seu cliente. E dos cidadãos em geral. Sempre dentro do Direito justo. E sempre por uma Justiça direita.
Aliás, é essa a função que se espera de um advogado. É essa a função que nos é atribuída estatutariamente. Vejamos o n.º1 do art. 85.º do E.O.A., aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro: “o advogado está obrigado a defender os direitos, liberdades e garantias, a pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e instituições jurídicas.”.
Para tanto, o advogado goza da independência necessária para a prossecução destes fins, como manda o art. 84.º do Estatuto. Ou seja, “o advogado, no exercício da sua profissão, mantém sempre, em quaisquer circunstâncias, a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos seus colegas, ao tribunal ou a terceiros.”.
Como actor e interveniente no sistema da justiça, é exigido ao advogado que não advogue contra o Direito, não use meios ilegais, não promova diligências dilatórias, enfim, que cumpra os deveres a que está adstrito por força do n.º2 do art. 85.º do Estatuto.
Um advogado apresenta um requerimento a opor-se a determinada diligência probatória, ou melhor de obtenção de prova, o que faz nos termos legais.
O Tribunal pode aplicar os meios coercivos que “forem possíveis”, como consta na letra da lei, isto é, da primeira parte do n.º 2 do art.519.º do C.P.C.. O legislador reconhece aqui que haverá limitações aos meios coercivos, pelo que, na impossibilidade de se realizarem as diligências, restará ao Tribunal apreciar essa mesma recusa, nos termos da segunda parte do n.º2 do citado preceito.
Ao invés, o Tribunal toma medidas coercivas que o Advogado considera excederem os limites legais.
Como sabemos, a descoberta da verdade material é importante, mas encontra os seus limites no núcleo essencial da pessoa. E ainda bem que assim é, um Estado de Direito Democrático não permitiria interpretações contrárias.
O núcleo essencial é, por imperativo constitucional, a dignidade da pessoa humana, que integra o seu pensamento, a sua integridade física e moral, o desenvolvimento da sua personalidade.
O Advogado protesta. Pretende extrair certidão do despacho. É convidado a fundamentar o pedido. Em sede de fundamentação, o advogado alega que pretende analisar o despacho para eventual apresentação de queixa por abuso de poder. E mais não diz. E mais não tem que dizer.
Como um Advogado, no exercício do mandato, passa, por isso, de representante dos interesses de terceiros dentro do quadro legal vigente para arguido num processo por injúrias, parece um salto ilógico, uma falácia no silogismo processual, mais a mais quando pretende exercer tão-só direitos.
Diz-se que o Juiz apenas exerceu as faculdades legalmente previstas, pelo que não se pode considerar que cometeu um crime.
Ora, se o advogado apenas veio manifestar um interesse em eventualmente propor uma acção crime por considerar que o despacho não foi conforme à Lei, não obstante poder também recorrer da mesma, então também não se pode considerar que cometeu um crime, e designadamente um crime de injúrias.
Também é uma faculdade legal que o Advogado dispõe, sendo certo que é dado ao Juiz arguido (no caso de ser efectivamente apresentada queixa) a possibilidade de contestar, de apresentar a sua defesa. Ou de considerar, então sim, mas não antes, e caso fosse esse o caso, a apresentação de participação por denúncia caluniosa.
Não pode é estar preenchido um qualquer tipo legal de crime contra a honra, designadamente de injúrias, quando estamos perante actos estritamente processuais que não têm como móbil imputar factos ofensivos da honra de quem quer que seja, mas tão somente, num entendimento que é defensável e não pode ser considerado contra legem, colocar em causa uma (errada) decisão judicial e/ou uma (má) conduta profissional.
O dever de urbanidade não pode ser confundido com fraqueza, com subserviência e com escravatura mental. A subalternização, a falta de coragem e a dependência dos poderes já foi atributo de várias profissões jurídicas a que sempre estiveram, e queremos que continuem a estar, imunes a grande maioria dos Advogados.
Um dos males da Justiça não é o colocar em causa decisões e condutas. Um dos males da Justiça é haver quem se ache intocável. É que se não discuta e sindique. É que não se conteste e impugne. É que não se denuncie e critique. O que está mal.
E muito mal anda a Justiça em Portugal.
__Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados

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