domingo, novembro 06, 2005

Abandono da nova sede da PJ - Estado desperdiça 15 milhões


"O Estado vai desperdiçar 15 milhões de euros por ter de abandonar o projecto de construção da nova sede da Polícia Judiciária (PJ) em Caxias. A Teixeira Duarte, empresa construtora, já recebeu 5 milhões de euros pelas obras que estão realizadas e pede mais 10 milhões de indemnização por não concluir o projecto, apurou o CM junto de fonte ligada ao processo. A ex-ministra da Justiça, Celeste Cardona, é apontada como a primeira responsável pelo desperdício do dinheiro dos contribuintes, pois foi no seu consulado que a obra foi lançada.

A conclusão da ‘Cidade Judiciária’ em Caxias estava prevista para meados de 2007 e orçava entre 55 e 60 milhões de euros. Quem lucra com o ‘imbróglio’ é a Teixeira Duarte, que embolsa 25 milhões de euros sem ter realizado a obra.
De acordo com a nossa fonte, o Governo já tem dois locais alternativos a Caxias. A primeira hipótese é construir o complexo junto da actual sede da PJ, na Rua Gomes Freire, em Lisboa, no terreno das antigas instalações da Faculdade de Medicina Veterinária. A segunda hipótese é construir um edifício de raiz em Moscavide, nos antigos terrenos do antigo depósito de material de guerra, propriedade da Parpública.
O Governo está mais inclinado para a primeira hipótese, porque é mais barata. O terreno disponível pertence à Universidade Técnica de Lisboa , isto é, ao Estado. Se optar por esta solução, como é previsível, o Estado gastará um total de 30 milhões de euros: 15 milhões em novas obras, 10 milhões de indemnização à Teixeira Duarte e 5 milhões já gastos em Caxias. A solução Moscavide é bastante mais cara, mas também mais do agrado da PJ. O custo total rondará os 100 milhões de euros. O Governo conta equilibrar os números com a alienação dos terrenos de Caxias e está a negociar com a Teixeira Duarte o valor da indemnização. Para o Estado, uma verba entre 3 e 3,5 milhões de euros seria razoável.
Segundo a nossa fonte o Governo optou por abandonar já o projecto de Caxias, porque tem a convicção de que o tribunal acabará por dar razão aos cidadãos de Oeiras que entregaram uma providência cautelar para travar a obra, alegando violação do PDM. A nossa fonte fala mesmo em “violação grosseira” do PDM. “É que a área de construção tem o dobro da inicialmente prevista, além de não existir um estudo de impacte ambiental”- explicou. O Governo sustenta a sua decisão de abandonar Caxias num parecer da Procuradoria-Geral da República pedido pelo ministro da Justiça, Alberto Costa, em Março deste ano.
OPINIÕES
"UMA AUDITORIA QUE EXPLIQUE" (António Cluny)
“Tudo isto, no mínimo, deveria ser alvo de uma auditoria que explique por que se avança com um projecto e depois se abandona”, diz o presidente do Sindicato de Magistrados do Ministério Público. Para António Cluny, “tem que haver total transparência de quem colaborou nestas decisões, incluindo os vários ministros da Justiça, desde Celeste Cardona a Alberto Costa”. Baptista Coelho, presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses, também desconhece as razões que levaram o Governo a retroceder nesta decisão, que, “à primeira vista, não parece ser muito adequada”.
"UMA EXPLICAÇÃO PÚBLICA" (Rogério Alves)
“Era bom que houvesse uma explicação pública para se saber por que é que um projecto tão grande, que certamente avançou com estudos até de viabilidade económica, agora aborta”, lança o repto Rogério Alves, bastonário da Ordem dos Advogados. “Vamos ficar atentos à forma como o Estado, também aí, vai gerir o seu próprio dinheiro.” No entanto, Rogério Alves lembra que o valor da indemnização exigida, poderá não ser a quantia a pagar.
ISALTINO MORAIS OFERECE OEIRAS
O presidente da Câmara de Oeiras tem interesse que a sede da PJ fique instalada no concelho. “Se o Ministério da Justiça falar com a Câmara comcerteza que se encontrará um local alternativo no concelho”– declarou Isaltino Morais ao CM. O autarca explicou que o concelho “está vocacionado para acolher todo o tipo de instituições, sejam científicas, de saúde ou serviços e, portanto, fazia sentido que a PJ pudesse ficar em Oeiras”.“Existe a possibilidade de minimizar os custos porque o terreno [onde estão as obras da PJ] tem potencial construtivo”, afirmou o autarca, explicando que a venda desse terreno poderia financiar a construção da nova sede da PJ. Isaltino tem já um destino para os terrenos que forem libertados: “Muito à base de moradias, ou edifícios com três pisos no máximo”.
CELESTE CARDONA INCONTACTÁVEL
A ex-ministra da Justiça Celeste Cardona, actual administradora da CGD, mantém silêncio sobre este caso desde que abandonou funções governativas. Ontem, durante toda a tarde, o CM tentou contactá-la, mas em vão. Ficou, ainda assim, registado o pedido de explicações. Por agora, o que se pode dizer é que, quando lançou a obra, a ex-ministra tinha um visto prévio do Tribunal de Contas, estando, portanto, a legalidade assegurada do ponto de vista financeiro. Na altura foi referido também um parecer do Conselho Consultivo da PGR que, alegadamente, não apontava qualquer ilegalidade ou irregularidade. A existir, esse parecer é contraditório daquele que foi pedido pelo actual Governo em Março deste ano, que aponta diversas irregularidades e que permitiu ao ministro da Justiça, Alberto Costa, dizer que o processo parecia estar “eivado de ilegalidades”.
"SÃO NECESSÁRIAS OBRAS URGENTES"
O dirigente da Associação de Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária (ASFIC) disse ontem ao CM que, independentemente das opções tomadas pelo actual Governo, “são necessárias obras urgentes e a curto prazo nos cinco edifícios que albergam, actualmente, os serviços da PJ”, disse Carlos Anjos. E deixou claro que “era impraticável a PJ estar em Oeiras”.“Os edifícios estão em mau estado de conservação e, pelo menos, três deles estão sobrelotados, não oferecendo condições aos profissionais”, denunciou o dirigente da ASFIC.
Quando, em 2003, a ASFIC foi informada que a nova sede da PJ iria ser construída em Caxias, no concelho de Oeiras, os sindicalistas questionaram a então ministra da Justiça, Celeste Cardona, sobre as questões logísticas que a mudança implicava. “Questionámos se tinha sido feito um estudo logístico para os encargos dessa deslocação e para os entraves que essa mudança traria à investigação”, recordou o dirigente sindical. A resposta nunca foi dada.
“Era impraticável a PJ estar em Oeiras quando o Departamento Central de Investigação e Acção Penal, o Departamento de Investigação e Acção Penal e o Tribunal de Investigação Criminal estão em Lisboa”, disse Carlos Anjos, lembrando que “os inquiridos só podem ser ouvidos na comarca onde residem e tal implicaria um grande investimento em deslocações”.
REACÇÕES POLÍTICAS
"QUESTÃO A APRECIAR" (Vitalino Canas, PS)
“É uma decisão do Ministério da Justiça. Não há nada a comentar, para além do que já foi dito pelo ministro da Justiça”, disse Vitalino Canas, porta-voz do PS. Questionado sobre a possível indemnização a pagar à Teixeira Duarte, Canas disse que é uma questão que “o Governo apreciará”.
"NÃO BASTA RECUAR" (Montalvão Machado, PSD)
Para o PSD, o Governo demorou demasiado tempo a decidir, perante as dificuldades jurídicas. “Não basta recuar no problema. Não sabemos onde é a nova localização nem as consequências jurídicas. Só depois o PSD se pronuncia”, disse Montalvão Machado.
"É UM ERRO COMPLETO" (Mota Campos, CDS-PP)
“É um erro completo”, com consequências graves no futuro da Polícia Judiciária, cuja nova sede era para ser ali construída, afirmou Mota Campos, ex-secretário de Estado da Justiça. “Vai ser um prejuízo brutal para a polícia de investigação criminal”, frisa.
"DELAPIDAR DINHEIRO" (Luíz Fazenda, BE)
“Uma decisão aguardada, porque a cidade judiciária dificilmente venceria os processos que tinha”, disse Luís Fazenda, acrescentando: “É lamentável a irresponsabilidade política da ministra Celeste Cardona, que lançou o projecto com delapidação dos dinheiros públicos”.
CRONOLOGIA
3 DE OUTUBRO DE 2003
Celeste Cardona apresenta o projecto da Cidade Judiciária à Presidente da Câmara Municipal de Oeiras.
FEVEREIRO DE 2004
Apresentação do DVD promocional do projecto e crítica da ministra que diz que “o DVD não corresponde à realidade”.
20 DE MARÇO DE 2004
Isaltino Morais diz que o projecto “choca em termos urbanísticos, do ponto de vista paisagístico e das infra-estruturas”.
FEVEREIRO DE 2005
Francisco Louçã critica o projecto e diz que é uma “negociata em torno dessa construção”.
SETEMBRO DE 2005
Teresa Zambujo não apoia a construção da Cidade Judiciária e propôs a sua localização em Pedreiras, também em Caxias.
NOVEMBRO DE 2005
O ministro da Justiça, Alberto Costa, prometeu encontrar “uma solução menos dispendiosa para o Estado”."
por José Rodrigues / Sónia Simões, in www.correiodamanha.pt

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