segunda-feira, novembro 28, 2005

Código antiterrorista ameaça Cimeira Euro-Mediterrânica


A aprovação do Código de Conduta Antiterrorista lançou a incerteza sobre o êxito da Cimeira Euro-Mediterrânica de Barcelona que ontem iniciou os seus trabalhos na capital catalã. Voltaram a estar em evidência as diferentes visões entre os países da União Europeia (UE) e os seus parceiros árabes sobre uma definição comum de terrorismo, que os líderes europeus consideravam ser um objectivo fundamental da cimeira.

Até ontem à noite, as divergências continuavam a parecer inultrapassáveis. "Como sempre, negociaremos até ao último minuto e continuo optimista sobre a possibilidade de um acordo", disse a comissária europeia para as Relações Externas, Benita Ferrero-Waldner.

"Se não chegarmos a um acordo sobre o Código de Conduta Antiterrorista é um mau sinal", sintetizou, por seu turno, numa caótica conferência de imprensa, José Manuel Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia. "Não acreditamos que o terrorismo possa beneficiar o processo de paz na Palestina; é, pelo contrário, um obstáculo quando estão a decorrer negociações para uma solução", corroborou Tony Blair, primeiro-ministro do Reino Unido, país que detém a presidência rotativa da UE e que co-preside com a Espanha ao encontro de Barcelona.

"Sempre condenámos e criticámos o terrorismo, que não ajuda o progresso e é um obstáculo", reconheceu, por seu lado, Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestiniana, também presente.

Embora haja sintonia nestas declarações não se registaram progressos. "Nada, neste código de conduta, pode contradizer o direito dos povos sob ocupação estrangeira a lutar até ao fim de acordo com o direito internacional e as leis humanitárias internacionais", refere a proposta árabe, à qual a UE responde com outro texto: "Reafirmamos que todos os povos têm o direito à auto determinação e, nesse contexto, daremos passos legais para a consecução desse direito, e reafirmamos que os ataques terroristas não podem ser justificados nem legitimados por nenhum motivo".

Em causa, para os países da "margem sul" do Mediterrâneo, está o direito à resistência à ocupação, numa referência com dois sentidos: o conflito israelo-palestiniano e a intervenção no Iraque.

Espera-se um acordo para hoje de manhã: "Estamos à procura de uma linguagem que contemple todas as soluções apresentadas", admitiu Durão Barroso, num encontro com jornalistas portugueses.

A adopção deste Código de Conduta é uma questão basilar, que a UE relaciona com o progresso das reformas democráticas que os seus parceiros do Sul devem levar a cabo para continuarem a merecer ajuda económica. "Este é um progresso importante que já foi aceite pelos peritos árabes, o que é um bom sinal; há dez anos não teríamos chegado aqui", sublinhou o presidente da Comissão.

Inovador em relação a Barcelona I é o novo programa para cinco anos proposto pela UE: "o diálogo da sociedade civil, o esforço na educação, o papel das mulheres, são coisas positivas que se têm de sublinhar", enfatizou Barroso. Para incentivar as reformas, a Comissão apresentou uma proposta concreta segundo a qual haverá um suplemento de ajuda financeira aos países que sigam esse caminho.

Oportunidade perdida

O segundo tema de destaque na cimeira, a imigração, também continuava em aberto, nomeadamente a clarificação do conceito de readmissão. Ou seja: se o processo de devolução de imigrantes entrados ilegalmente na UE abrange apenas os que são oriundos dos Estados por onde entraram ou se é extensível aos de outras nacionalidades que utilizaram como corredor esses países.

No primeiro caso, a UE já tem acordos com Marrocos, mas as recentes pressões migratórias da África subsariana revelaram um novo problema: o de saber quem assume a responsabilidade política e humanitária. "É do nosso interesse, promover a estabilidade nesta região", disse Durão Barroso, numa breve referência implícita às migrações.

Com a ausência da maioria dos líderes dos países árabes e com o braço-de-ferro em torno da questão do terrorismo, a cimeira de Barcelona corre ainda o risco de se revelar um relativo fracasso. "Os nossos parceiros do Mediterrâneo perderam uma rara oportunidade de conquistar a atenção e o apoio da Europa", resumiu para a Reuters um diplomata europeu. Quando a União tenta prestar atenção ao Sul e não apenas ao Leste, "o Sul não teve uma resposta à altura."

Fonte: www.publico.clix.pt

Sem comentários: