segunda-feira, novembro 07, 2005

Estado substitui 5000 pais na pensão de alimentos


Fundo de garantia encarregue da missão já gastou seis milhões de euros só este ano

"Há muitas situações de desespero, ligadas cada vez mais ao desemprego", diz Anabela Fernandes, do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.

O Estado está a substituir mais de cinco mil pais na prestação de alimentos aos filhos menores. Segundo os últimos dados do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS), a que o DN teve acesso, desde Janeiro e até 31 de Outubro os processos do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM) custaram ao Estado 6,1 milhões de euros - ultrapassando já os 5,3 milhões gastos em 2004. Os números, que têm aumentado de ano para ano, ocultam situações de pobreza ou simples litígios entre os pais separados, que usam muitas vezes o dinheiro como arma de arremesso.A lei que prevê a activação do FGADM - quando, após uma separação, o progenitor não cumpre a pensão de alimentos definida na sentença da regulação do poder paternal - está em vigor desde 2000.
Nesta altura, o Estado substituiu 144 progenitores, o que correspondeu a uma despesa de 77 mil euros. Desde então, e à medida que a lei foi sendo mais divulgada, o número de processos de activação do fundo não parou de crescer. Em 2004 foram 4073. Este ano, e só até 31 de Outubro, o número ascende já aos 5245. Em cinco anos de aplicação da lei, o Estado já gastou 17,5 milhões de euros.
"Há muitas situações de desespero, cada vez mais ligadas ao desemprego", afirmou ao DN Anabela Fernandes, coordenadora do fundo, acrescentando que desde Maio que os pagamentos andam na ordem dos 600 mil euros por mês. O perfil do candidato, explica, "enquadra-se sobretudo em famílias desestruturadas, com problemas socioeconómicos", e geralmente com baixos níveis de instrução. O devedor tanto pode ser o pai como a mãe, embora a maioria dos casos diga respeito aos ho-mens, uma vez que em mais de 80% dos casos de divórcio a guarda da criança é entregue às mães. E há também casos de pais que não pagam porque as mães não lhes deixam ver os filhos (...).
Segundo explicou ao DN o procurador Rui do Carmo, tudo começa com o processo de regulação do poder paternal, que geralmente se segue ao divórcio. "A mãe, por exemplo, fica com a guarda da criança e o pai fica obrigado a pa-gar X de pensão de alimentos. Mais tarde a mãe vem ao tribunal queixar-se de que ele nunca pagou ou que deixou de pagar e, nessa altura, desencadeia-se o incidente de incumprimento", ilustra o magistrado.Não tendo ele feito prova de que pagou, é declarado o incumprimento e o juiz ordena, se possível, o desconto dessa importância no salário do progenitor ou mes-mo, nalguns casos, no seu subsí-dio de desemprego. O grande problema surge quando o pai (ou mãe) não tem rendimentos regulares ou declarados e a cobrança não é possível. Um cenário que, segundo Rui do Carmo, "acontece com relativa frequência em Portugal". Aí, o Ministério Público ou o progenitor que detém a tutela do menor po-dem pedir a activação do fundo (...).
Mas se, para Rui do Carmo, as pessoas estão cada vez mais bem informadas sobre a existência do fundo, para Matilde Lavouras, assistente da Faculdade de Direito de Coimbra, "o desconhecimento é ainda abundante".Segundo a docente, mestre em Ciências Jurídico-Económicas - e que se tem dedicado à investigação deste tema -, "as pessoas só se dirigem ao tribunal para denunciar o incumprimento do dever de alimentos nos casos em que sabem existirem rendimentos suficientes por parte do devedor". Ou seja, em casos onde, em princípio, o fundo não actua - "o que deixa a descoberto situações em que, por desconhecimento, o mecanismo não é accionado". Mesmo assim, considera que este cenário tem vindo a melhorar, devido à "crescente sensibilização efectuada por diversas entidades".
Apesar do aumento da despesa do Estado com o FGADM, os especialistas ouvidos pelo DN consi-deram que o fundo "funciona muito bem". Segundo Matilde Lavouras, o fundo "tem conseguido responder a todas as solicitações", sem que seja necessário um reforço da dotação orçamental.
Lei "tem falhas"
Mas, para Anabela Fernandes, "esta lei tem muitas falhas" e deveria ser revista. Segundo a responsável, "a legislação diz que após um ano de recebimento da primeira prestação, a pessoa deve comprovar perante o tribunal que a situação que deu origem ao pagamento dessa pensão se mantém". O problema, diz, é que alguns juízes não estabelecem na sentença a obrigatoriedade de que essa comprovação se faça anualmente, e não apenas após um ano - o que, para Anabela Fernan- des, pode originar fraudes.Por outro lado, o FGADM fica com o direito de exigir ao devedor a importância que este pagou. Mas, como lembram Rui do Carmo e Anabela Fernandes, "em muitos casos é a fundo perdido".
"Choca--me que uma pessoa fique devedora de uma quantia que a priori não tem como pagar", comenta Anabela Fernandes, exemplificando o cenário com o caso de um progenitor que ganhava 400 euros por mês e pagava 250 euros de renda, e a quem o tribunal fixou uma prestação de 250 euros. Aliás, este ano, e até 28 de Setembro, por exemplo, só 198 processos foram cessados no IGFSS porque o "devedor passou a pagar". Para Matilde Lavouras, "as prestações em dinheiro têm-se re-velado susceptíveis de fraude e pouco capazes de diminuir as de-sigualdades e erradicar situa- ções extremas de pobreza".
Mas, embora defenda que se deve- ria "conceder auxílios directos às famílias, em bens e serviços", considera que é preferível, para já, aplicar e fiscalizar bem esta lei.
por sofia jesus, in www.dn.sapo.pt

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