segunda-feira, janeiro 23, 2006

Traduções e transcrições são negócio nos tribunais


Os tribunais gastaram em 2005 quase três milhões e meio de euros com traduções. E praticamente um milhão e meio com as transcrições da prova produzida em audiências de julgamento. Estes negócios de milhões no mundo da justiça dão lucro a muita gente, inclusivamente a sociedades de advogados. Quem paga é o Estado.

É usual ouvir dizer-se que a justiça está em crise. Porém, é uma crise que não se faz sentir para as empresas de traduções e intérpretes. Nem para quem presta serviços no âmbito das transcrições.

Se, em 2003, o Estado gastou com traduções cerca de 1,8 milhões de euros, este número aumenta para quase 2,2 milhões em 2004. No ano passado atingiu quase os três milhões e meio.

Relativamente às transcrições, o Ministério da Justiça (MJ) não disponibilizou números de 2003. Mas sabe que, em 2004, os tribunais despenderam 975 116,79 euros e, no ano passado, 1 403 028 euros.

Negócio das transcrições

As transcrições realizam-se apenas quando há recursos. Assim, em vez de ouvirem as cassetes áudio - gravadas durante os julgamentos na primeira instância -, os juízes dos tribunais superiores têm acesso à prova produzida em julgamento através das transcrições em papel.

Por exemplo, o recurso do processo Moderna, em 2003, custou aos cofres dos tribunais 62 mil euros. No distrito judicial de Lisboa, em 2004, foram gastos mais de 270 mil euros. Os custos com o julgamento da Brigada de Trânsito da GNR, que decorreu em Albufeira, ascendeu aos 16 mil euros.

Antes de 16 de Janeiro de 2003, os recorrentes tinham de suportar os custos das transcrições, caso perdessem o recurso. O sistema mudou na sequência de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. Esta instância superior fixou jurisprudência, uma vez que havia decisões em sentido contrário umas atribuíam ao recorrente o ónus da transcrição da prova; outras no sentido de que esse ónus é do tribunal. Aquele acórdão seguiu esta última tese.

Desde então, surgiu uma boa oportunidade de negócio para os operadores judiciários. Há advogados que, para além de interporem os seus próprios recursos, também transcrevem a prova produzida. E fazem-no nos seus escritórios. Depois, quer percam quer ganhem o recurso, passam a factura ao tribunal. E este paga. São muitas as sociedades de advogados com meios para fazerem as transcrições, garantem ao DN vários secretários judiciais. Aliás, são estes que pagam e adjudicam os serviços.

Para o juiz Américo Lourenço, do Tribunal de Sintra, os recursos, por vezes, parecem ser mais motivados pelos lucros das transcrições do que pelas dúvidas suscitadas no julgamento. Tanto mais que, explica, um magistrado quando lê a transcrição não tem noção da convicção com que falaram os intervenientes.

Na óptica daquele magistrado, haveria uma solução enviar os recursos acompanhados da cassete, tendo esta devidamente referenciada a parte controversa. "Poupar-se-iam milhões de euros", garante.

A transcrição de cada cassete custa entre 100 e 120 euros, independentemente de estar ou não completamente gravada. Se, para além de transcrever, for necessário traduzir, acresce o preço de 1,75 euros por linha, por se tratar de linguagem técnica.

Aumentam as traduções

As traduções evidenciam um fenómeno novo, ligado ao aumento do fluxo migratório. Por exemplo, em 2004 iniciaram-se 78 processos crime envolvendo cidadãos de Leste. A estes somam-se 25 processos com indivíduos do continente asiático. E entre a gente envolvida nos 57 processos-crime conotados com fluxo migratório do continente africano, a maioria é de fora dos PALOP. Segundo o relatório da Segurança Interna, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras deteve o ano passado 321 indivíduos, dos quais dois terços desconheciam completamente a língua portuguesa. São os tribunais que suportam os custos com as tradutores e intérpretes. O preço é ditado pelo próprio mercado.

Fonte: Diário de Notícias

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