sábado, janeiro 21, 2006

PGR admite erro


O procurador-geral da República (PGR), Souto Moura, confirmou ontem na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais que os procuradores do Ministério Público do processo Casa Pia desconheciam que as disquetes com a facturação detalhada de Paulo Pedroso continham mais registos de chamadas.

Segundo o PGR, esta informação só foi constatada pelos magistrados na passada terça-feira, quando do início da perícia informática realizada no âmbito do inquérito aberto pela Procuradoria.

Souto Moura reconheceu também um erro no seu comunicado de sexta-feira: “Há um erro no ponto três do comunicado, mas mantenho que a notícia do ‘24 Horas’ é falsa”. O procurador referia-se ao facto de ter garantido que os registos telefónicos, apensos ao processo Casa Pia, diziam apenas respeito ao arguido Paulo Pedroso. A mais ninguém.

Numa audição com quatro horas, preenchida com mais interveções dos deputados do que com perguntas, Souto Moura fez uma declaração inicial onde resumiu a informação que já foi recolhida sobre o caso ‘Envelope 9’. O PGR frisou estar condicionado pelo facto das investigações serem recentes e se encontrarem em segredo de justiça, das quais garantiu “se extrairão consequências”. O procurador, que revelou também ter pensado em proferir uma declaração pública, limitou-se a confirmar que não foi pedida nenhuma facturação detalhada que não tivesse sido autorizada pelo juiz, que os registos de Paulo Pedroso eram essenciais para fazer o cruzamento de eventuais chamadas entre os arguidos, e que a facturação do ex-deputado estava evidenciada, mas que havia informação não visível, tal como já foi explicado pela PT. Souto Moura revelou que ele próprio nunca vira um programa Excel. “Nunca pensei que pudesse haver números visíveis e outros por trás”, afirmou, assegurando ainda que, quando as disquetes foram enviadas aos procuradores, estes remeteram-nas de imediato para a PJ sem as visualizar.

O procurador respondeu a todas as perguntas dos deputados - maioritariamente sobre escutas, transcrições e violações do segredo de Justiça – mas deixou bem claro que esta audição não pode representar um precedente em termos do “PGR ser chamado para prestar esclarecimentos sobre processos que estão em curso”.

Aliás, Souto Moura manifestou algum desconforto sempre que os deputados pretenderam respostas sobre o processo que levou ao caso dos registos telefónicos do ‘Envelope 9’. Disse ainda que, neste momento, os registos não podem ser destruídos porque são prova para o inquérito em curso. No capítulo de responsabilidades, o PGR declarou: ”Acho que em, termos de magistratura, o estatuto de procurador-geral da República não passa pelo tipo de responsabilidade aplicável aos restantes órgãos políticos”.

PS E PSD QUEREM ÓRGÃO FISCALIZADOR DAS ESCUTAS

PS e PSD ponderam criar um conselho de fiscalização das escutas telefónicas. Ontem, Vitalino Canas, vice-presidente da bancada parlamentar e porta-voz dos socialistas, admitiu ao CM que a criação de um conselho de fiscalização das escutas “é um aspecto a ponderar” no grupo parlamentar socialista. “Não excluímos liminarmente”, afirmou Canas. Montalvão Machado, vice-presidente da grupo parlamentar do PSD, admitiu também que a ideia “tem sido debatida no seio do partido”.

Em causa está a guarda e destruição de escutas, findo o período de segredo de justiça e em termos globais. E não caso a caso. A Polícia Judiciária recorde-se, anunciou, na passada semana, que, desde 2003, são realizadas uma média de oito mil escutas por ano.

Segundo o mesmo responsável socialista há matérias, do ponto de vista constitucional, que devem ser analisadas em “momento próprio”. Isto é, findo o trabalho da Unidade de Missão para a Reforma do Sistema Penal em curso, cujos resultados serão depois utilizados pelo Executivo, e após as audições de agentes judiciários no Parlamento e da discussão interna no PS.

Do lado do PSD, Montalvão Machado admitiu também que a ideia “tem sido debatida no seio do partido”, sobretudo no âmbito “da maior eficácia” do sistema, em particular “numa situação intermédia do processo judicial”. Guilherme Silva, ex-líder parlamentar social-democrata e actual presidente do Conselho de Jurisdição do PSD, cuja recepção de chamadas telefónicas ficou registada no ‘Envelope 9’, frisou, por seu turno: “É possível pensar num eventual Conselho de Fiscalização das Escutas, como há o Conselho de Fiscalização do SIS. Isso tem de ser muito bem pensado por razões do princípio da separação de poderes, por razões da confidencialidade dos processos, mas é possível encontrar uma fórmula que, acima de qualquer suspeita, possa ter um papel fiscalizador sem quebra dos princípios da separação de poderes. É uma questão de legislação. É uma questão de todos convergirmos com boa vontade para encontrar esse esquema”, declarou ao CM.

O deputado social-democrata considera que compete aos juízes, responsáveis pela autorização das escutas, dizerem se “sentem que têm as condições para fazer o controlo efectivo da execução das escutas telefónicas”. Em seu entender, os magistrados “têm de ser os primeiros a pôr os políticos a par se têm os meios bastantes para garantir isto”. E acrescenta: “Os magistrados têm de esclarecer: ‘cumprimos a lei [das escutas], temos meios, isto [escutas] é executado escrupulosamente com a salvaguarda dos direitos de cada um”.

O problema, admite Guilherme Silva, é conseguir “conciliar as escutas no campo estrito em que devem ser utilizadas como instrumento fundamental na investigação e no combate à criminalidade grave com o respeito dos direitos fundamentais e da privacidade das pessoas”.

Para já, propostas concretas não existem, nem sequer período temporal para as apresentar. O Procurador-Geral da República (PGR), Souto Moura, acabou ontem também por comentar no Parlamento a hipótese de um órgão externo fiscalizar as escutas e sublinhou “a dificuldade constitucional” de se equacionar esta entidade.

Entre os deputados do CDS-PP, o conceito de um órgão inspectivo não colhe grande apoio. Segundo uma fonte parlamentar, a legislação já acautela a segurança do processo de escutas. O problema é a ausência de sanções para quem prevarique.

Os comunistas só se pronunciam sobre propostas concretas e, por isso, não tecem comentários, como afirmou uma fonte parlamentar do PCP. Já Ana Drago, do BE, disse que importa “clarificar” o processo de escutas. Sobre a criação de um conselho inspectivo, a deputada diz que o BE irá reflectir sobre o assunto.

Na audição parlamentar, Souto Moura admitiu alterações à lei sobre as escutas telefónicas, designadamente no que concerne a titulares de órgãos de soberania. Nestes casos, segundo o PGR, deveria ser necessária uma autorização do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, “para ver se há proporcionalidade”. Sobre a fiabilidade do sistema de escutas, que dia 10 de Janeiro levou os deputados à PJ, Souto Moura não comentou para não se comprometer. Vitalino Canas, do PS, cujas chamadas também estão registadas no ‘Envelope 9’), não há dúvidas: “O sistema é fiável”.

PONTOS DE VISTA DE ESPECIALISTAS

RUI PEREIRA - COORDENADOR DA REFORMA PENAL

Rui Pereira, ex-director do SIS e actual coordenador da Unidade de Missão para a Reforma Penal, prefere falar “em tese” sobre a hipótese de criar um conselho fiscalizador das escutas telefónicas.

A criação deste conselho “é possível e viável em tese, tendo em conta a observância da independência dos tribunais”, declarou ao CM . Recusando pronunciar-se como coordenador da referida Unidade de Missão, lembra, por exemplo, que os membros desse órgão também deveriam estar vinculados ao segredo de justiça.

ANTÓNIO CLUNY - PRESIDENTE DO SINDICATO DOS MAGISTRADOS DO MP

Lembrando que o Ministério Público já teve a competência de fiscalizar o sistema de escutas da Polícia Judiciária, “competência que perdeu quando detectou que havia problemas”, António Cluny concorda com a criação de uma entidade fiscalizadora (”que realize auditorias sistemáticas”), desde que a cargo de um órgão do poder judicial: Ministério Público, Conselho Superior de Magistratura. Cluny frisa, no entanto, que “é um risco em termos políticos” os partidos intervirem nessa área.


Fonte: Correio da Manhã

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