domingo, janeiro 22, 2006

Ambiente das festas influencia padrões de consumo de droga


A imagem do toxicodependente de rua a injectar-se com heroína já não corresponde tanto aos novos consumos de droga. Agora muito acontece em ambiente de festas de fim-de-semana em que os diferentes estilos de música de dança dão o tom ao tipo de pessoas que lá aparece e também às drogas de eleição.

A associação quase exclusiva que é feita do consumo de ecstasy à música de dança electrónica em geral "é errada". Os estilos musicais variam e atraem gente com diferentes origens sociais, valores e padrões de consumo de substâncias. É o que conclui o psicólogo Victor Silva na investigação Techno, House e Trance: uma incursão pelas culturas da dance music, publicada no último número da revista Toxicodependências, editada pelo Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT).

O autor frequentou durante dois anos festas com três estilos de música de dança - techno, house e trance - tentando conhecer este universo através da observação participante e de entrevistas a frequentadores, sobretudo na região Norte, conta ao PÚBLICO.

Victor Silva, que é psicólogo da Comunidade Terapêutica do Norte, explica que hoje em dia são cada vez menos os que consomem só uma droga. "A regra é o policonsumo" e "a cannabis surge como o elemento comum" - ou, como se lê no seu artigo, tornou-se no "refogado onde depois se deitam os ingredientes principais".

À parte este elemento comum há outras tendências: "Os adeptos techno preferem as pastilhas, os do house a cocaína, os do trance os ácidos" (...). Victor Silva ressalva que nem todos os que frequentam estas festas consomem drogas ilegais mas a prática "é muito visível e está quase normalizada dentro destas culturas".

A ligação da droga ao consumo em festas está a levar a mudanças nos padrões de consumo, conclui ainda. O consumo de heroína, "que ainda é um problema grave", "já não é chamativo" devido à imagem do "junkie de rua". Os adeptos da techno "podem tornar-se nos próximos junkies"- numa festa uma pessoa pode chegar a consumir dez pastilhas de ecstasy, exemplifica.

Está-se a passar para "o junkie de fim-de-semana". E os consumos que o psicólogo encontrou, assim concentrados em dias definidos (sobretudo à sexta e ao sábado) "são altíssimos e potencialmente perigosos", nota Victor Silva no artigo que é o resumo da sua tese de mestrado em Psicologia do Comportamento Desviante.

A investigação Trance, house e techno - espiritualidade, sensualidade e energia foi apresentada na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto em 2004 e recebeu a classificação de Muito Bom.

"Discurso do "não à droga" não funciona

Face às práticas que encontrou, Victor Silva não tem dúvidas de que há que "adaptar" a prevenção a este universo. "O discurso "não à droga" não funciona e, aliás, pode incitar o consumo", reitera.

As chamadas "novas drogas" são consumidas em Portugal há mais de 15 anos e "obrigam a uma nova forma de intervir nesta área", defende o psicólogo. Estes consumidores não se vêem como toxicodependentes e pensam que estão a usar "substâncias inócuas", sublinha ao PÚBLICO.

No entender do psicólogo, é preciso ir ao seu encontro "nas festas" e não ficar "nos nossos gabinetes à espera que eles lá apareçam, já com sequelas graves do consumo destas substâncias", lê-se ainda no artigo.

Quando explorou as características da cultura techno - a mais associada ao consumo de ecstasy - Victor Silva constatou que nenhuma das pessoas com quem contactou nas festas "referiu acções, materiais ou recursos do IDT como fonte de informação sobre as drogas". Mas todos referiam a necessidade de saber mais sobre as drogas que utilizavam.

Não querendo ser "alarmista", o psicólogo nota que existe "um risco real": muitos consumidores "irão desenvolver problemas psiquiátricos graves". Nas festas techno nota que "todos os sujeitos entrevistados conhecem uma ou mais pessoas que ficaram com sequelas atribuídas ao consumo de drogas, nomeadamente a nível psicológico, com internamentos em hospitais psiquiátricos".

O investigador vai mais longe: a continuarem estes padrões de consumo de drogas sintéticas, "parte de uma geração vai chegar à idade adulta com défices cognitivos".


Fonte: Público

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