terça-feira, janeiro 10, 2006

NEM O MANDATÁRIO CONSTITUÍDO NEM O DEFENSOR OFICIOSO TÊM O DOM DA UBIQUIDADE! E TERÃO OS MESMOS DIREITOS?


Um olhar sobre o Mandatário e o Defensor Oficioso, por Carlos Pinto de Abreu, Coordenador da Área de Processo Penal no Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados.

"1. Para nossa perplexidade, vêm-nos sendo relatados casos que demonstram existir ainda uma total falta de respeito pelos advogados e advogados estagiários, e de compreensão pela sua actividade essencial, quer estes sejam mandatários constituídos ou defensores nomeados.

Casos que é necessário trazer a público, para que não se repitam, ou, pelos menos, para que todos estejam para eles prevenidos.

O caso – melhor seria dizer a panóplia de casos - que hoje divulgamos, prende-se com o direito de todo o cidadão a ser assistido por um advogado, em condições de igualdade, quer tenha meios para o constituir, quer necessite de apoio judiciário.

Direito, este, que está constitucionalmente consagrado no artigo 20.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, que estatui que “todos têm direito, nos termos da lei à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade”. Direito, este, que no domínio processual penal, se encontra garantido nos termos do artigo 61.º n.º 1 alínea e) do Código de Processo Penal, ao abrigo do qual “o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo, de ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar e, quando detido comunicar, mesmo em privado com ele”.

Ora, foi-nos relatado o seguinte: o defensor oficioso de um arguido, ao ser designada data para julgamento, requereu, em tempo, que o Tribunal desse sem efeito a 1.ª data, fazendo-se o julgamento na 2.ª data, pois já tinha outra diligência marcada. E disso fez prova.

O Tribunal vem dizer que o artigo 312.º n.º 4 do C. Processo Penal é apenas aplicável a mandatários, e indeferiu o requerido.

O arguido não quer ser defendido por outro advogado.
Quid juris.

2. O artigo 312.º n.º 4 do C. Processo Penal só se refere a advogado constituído. Mas, é necessário proceder, como é regra na nossa ordem jurídica, a uma interpretação deste preceito conforme à Constituição.

Ora, excluir a possibilidade de os defensores oficiosos estarem contidos na interpretação deste preceito, não pode ser conforme à nossa Lei Fundamental.

A interpretação preconizada pelo Tribunal do caso sub judice, discrimina, abusiva e injustificadamente, os arguidos que não têm meios para constituir mandatário, e aos quais, por essa razão, lhes foi atribuído um defensor oficioso, violando, indubitavelmente, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º CRP, nomeadamente o seu n.º 2, que estatui que “ninguém pode ser […] prejudicado […] em razão de […] situação económica”.

Esta interpretação viola ainda o preceituado no artigo 32.º n.º 3 da CRP“o arguido tem o direito de escolher defensor e a ser assistido por ele em todos os actos do processo” –, pois o defensor em causa tinha sido atribuído ao arguido, e este pretendia ser por aquele em todos os demais actos processuais representado.

Tal interpretação demonstra o facto da cultura judiciária vigente não respeitar o princípio da infungibilidade do mandato ou da nomeação. Quantas vezes, em sede de agendamento, se ouve com a maior das canduras: oh senhor Dr. substabeleça?! Quantas vezes não é imposto um advogado ou advogado-estagiário oficioso apesar do cidadão informar que tem advogado ou advogado estagiário e que é com este que pretende estar acompanhado? O advogado é, além de outros factores, também imprescindível à boa condução e conclusão dos processos judiciais. E o advogado estagiário não é parente pobre ou profissional menos digno e respeitável!!! Até porque aqui não se trata do prestígio ou desprestígio da profissão, mas sim da qualidade da justiça que é posta em causa por inqualificáveis comportamentos como estes.

Não subsistem dúvidas de que a planificação estratégica (desde o princípio do processo) e a actuação táctica (em todos os actos do processo) são componentes necessárias à realização dos objectivos dos cidadãos ou pretensões dos constituintes; são essenciais à prossecução dos fins processuais e, em última análise, dos fins do direito. O que implica a expectável e desejável unidade e continuidade do exercício do mandato ou da nomeação.

E, note-se, serão os advogados, ou os advogados estagiários, obrigados a ter colaboradores em quem possam substabelecer? Já não pode o advogado, ou o advogado estagiário, trabalhar sozinho? Querem acabara com o advogado tradicional? Querem obrigar o advogado a deixar de ser profissional liberal? E mesmo que trabalhe com outros advogados, que sabem estes do processo, do caso concreto e dos interesses do cliente ou constituinte? No caso em apreço, a situação torna-se ainda mais premente, pelo facto de se tratar de um defensor oficioso, ou seja, de um advogado que nem sequer podia, pelo menos até à presente lei do apoio judiciário, substabelecer! Ou que poucas oportunidades terá para tal...

Mais ainda, sempre se dirá que a ratio do artigo 155.º n.º 1 C. Processo Civil, preceito para o qual o artigo 312.º n.º 4 remete expressamente, ao referir-se a “mandatários judiciais”, inclui os patronos e defensores oficiosos. O que, aliás, tem sido prática e jurisprudência pacífica.

Também, e a título de exemplo demonstrativo do tratamento paralelo e igualitário dos mandatários constituídos e dos oficiosos, o artigo 229.º -A do C. Processo Civil, que se refere às notificações entre mandatários, não desonera os patronos ou defensores oficiosos do cumprimento destas obrigações. O que, como no artigo anteriormente referido, é também jurisprudência pacífica.

Ora, quando não seja por outro, no mínimo por um argumento de maioria de razão (já que o da razão não parece chegar!), deve o artigo 312.º n.º 4 do C. Processo Penal ser interpretado também no sentido de incluir a possibilidade de serem admitidas propostas de datas alternativas ao patrono ou defensor oficioso que esteja comprovadamente impedido.

É imperativo de igualdade.E, se não for pedir muito, de bom senso!

Outra interpretação do artigo em causa peca por violar a nossa Lei Fundamental, nomeadamente os seus artigos 13.º n.º 2 e 32.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.

3. Em conclusão, não pode deixar-se de concluir, o que, aliás, é prática, e boa prática, em alguns – e espero poder mesmo presumir, em quase todos – os tribunais, que o defensor oficioso pode, nos mesmos termos que o mandatário constituído, requerer a realização do julgamento para a 2.ª data acordada, em caso de impedimento, ou mesmo propor novas datas caso tal se justifique face ao preenchimento da sua agenda.

É necessário estar alerta e velar pelos nossos direitos e pelos direitos dos nossos constituintes e oficiosos! Até porque os tempos que se avizinham não serão de facilidades...

E o advogado, ou o advogado-estagiário, já o dissémos, e di-lo a Lei, é o elo privilegiado de ligação entre o cidadão e o sistema tradicional de justiça e verdadeiro órgão de administração da Justiça.

Sem o qual... não há, nem se fará, verdadeira Justiça.

Carlos Pinto de Abreu(Coordenador da área de Processo Penal no CDL)"


(Nota: Negrito nosso)

Fonte: Ordem dos Advogados

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