quarta-feira, janeiro 25, 2006

Procurador diz que a lei visa controlar o Ministério Público


A proposta de lei-quadro da política criminal "não afecta a autonomia do Ministério Público (MP)". Esta foi das poucas constatações positivas que o Procurador Geral da República (PGR) fez em relação à lei que vai definir as prioridades da investigação criminal para um período de dois anos. A crítica e as dúvidas foram a tónica dominante da intervenção, ontem, de Souto Moura na Comissão Parlamentar dos Assuntos Constitucionais, onde esteve a ser ouvido sobre o diploma que os deputados se prepararam para aprovar esta tarde.

A primeira das críticas foi para o facto de a lei-quadro "circunscrever"a actuação do MP "Esta não é uma lei de política criminal, mas de controlo da participação do MP na execução da politica criminal... e mais não digo". Mas Souto Moura disse mais: "É uma lei dirigida para o MP e para isso é demais."

Mas se em relação ao MP o diploma vai muito longe, já no que toca à politica criminal em termos gerais, a lei é, na óptica do presidente do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), "de menos" - "é muito curta". Deixando de fora problemáticas como a prevenção, a execução de penas ou a reinserção social. E também um olhar atento à actividade desenvolvida pelos juízes "Como é que não se fala uma única vez em judicatura ou decisões dos tribunais? A política criminal corre o risco de falhar se na recta final os juízes não [a] observarem." Mais. Souto Moura defendeu que também em relação à política criminal para o sistema prisional - nomeadamente no que respeita à sobrelotação das cadeias - "os juízes não podem ser postos de lado".

O procurador manifestou ainda dúvidas sobre se a lei-quadro "não pode beliscar" o princípio da legalidade (...), alertando para o risco de poder "haver milhares de processos não considerados prioritários que vão ficar à espera".

Em relação à definição pelo Parlamento - sob proposta do Governo - do tipo de crimes que terá prioridade, o PGR alertou para o perigo de os delinquentes passarem a saber que crimes deixam de ser considerados prioritários na investigação. "Politicamente vai ser um grande problema definir as prioridades da investigação criminal, pois para o cidadão o que o preocupa e causa pânico são o furto por esticão e o roubo", avisou. Souto Moura admitiu ter "medo" que, ao dar-se prioridade aos crimes económicos e grande corrupção (por vezes ligada a titulares de cargos públicos), se resvale para uma "caça às bruxas".

No campo das dúvidas, Souto Moura alertou ainda para os problemas de inconstitucionalidade que poderão ser suscitados com a transferência de competências do Governo para a Assembleia em matéria de definição das grandes linhas da política criminal.

Souto Moura não saiu do Parlamento sem deixar, contudo, uma opinião positiva sobre alguns aspectos do diploma. O procurador saudou o facto de os órgãos de polícia criminal passarem a ser dotados de meios financeiros e humanos para responder às novas prioridades da investigação criminal e de as denúncias terem que passar obrigatoriamente pelo MP.
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'SEM MEIOS, A LEI NÃO FAZ SENTIDO'

O presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal (ASFIC) da Polícia Judiciária (PJ) defendeu no Parlamento que “não faz sentido discutir prioridades na investigação criminal se não houver meios” para as fazer cumprir. “A questão é: se a orientação que o Governo vai dar não vai acompanhada dos meios necessários ao seu cumprimento. Se não derem os meios necessários, esta lei não faz sentido nenhum porque não vai ser cumprida”, declarou Carlos Anjos, lembrando que a PJ nunca teve os seus quadros preenchidos a 50 por cento. O dirigente sindical afirmou que “se é preciso definir prioridades, deve ser o poder político e não as polícias” a fazê-lo, mas defendeu que a aprovação deste diploma devia ser por “maioria qualificada e não maioria simples”.

'METER NA ORDEM O MP'

António Cluny, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), ouvido ontem à tarde na Comissão Parlamentar dos Assuntos Constitucionais sobre a proposta da Lei-Quadro da Política Criminal, referiu que “não é inocente a apresentação desta lei na conjuntura actual”, escusando-se a clarificar o sentido final desta afirmação. No entanto, mais tarde, Cluny adiantou que o diploma “aparece agora pelo seu simbolismo”, concretizando: “A lei não toca na autonomia do Ministério Público, mas o sinal político é esse”. O presidente do SMMP considerou que o ministro da Justiça pretende “meter na ordem” o MP.

A Baptista Coelho, da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, afirmou que a proposta de lei “só em si, pouco ou nada adianta, pois é vaga ou genérica”.

Fonte: Diário de Notícias e Correio da Manhã

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