domingo, janeiro 22, 2006

Milhares de reclamações contra planos de preços da Portugal Telecom


Há um batalhão de reclamações. Os planos de preços da Portugal Telecom (PT) - modalidade que permite a realização de chamadas telefónicas de rede fixa a custo zero ou a preços baixos em horário pré-determinado contra o pagamento de um valor fixo mensal - têm gerado milhares de queixas nos últimos meses.

A larga maioria foi feita directamente à operadora, mas houve também quem as apresentasse junto das associações de defesa dos consumidores, nomeadamente no Instituto do Consumidor, na IGAE - Inspecção-Geral das Actividades Económicas, e na Anacom (regulador do sector das comunicações). Dada a ausência de um documento escrito, a maioria dos clientes queixa-se de não ter contratado com a PT qualquer plano de preços.

A PT garante que o número de queixas é "residual", cerca de um por cento dos mais de dois milhões de planos de preço colocados no mercado desde 2003, o que significa perto de 20 mil queixas. E afirma que "as reclamações são resolvidas de imediato e sem qualquer dano para o cliente". As associações confirmam que nos processos por si intermediados, a PT devolve aos clientes o valor gasto nos planos de preços, através do depósito de um crédito de tráfego na conta telefónica.

A uma pequena minoria, por ter deixado de ser cliente, a devolução foi feita em dinheiro. Há, no entanto, alguns clientes que afirmam que depois de reclamarem junto da operadora que não tinham requerido qualquer plano, ele foi cancelado, mas nunca foram ressarcidos dos danos.

Associações acusam a PT de ilegalidade

Associações como a DECO - Associação Portuguesa para Defesa dos Consumidores, a Associação de Consumidores de Portugal (ACOP) e a Associação Portuguesa de Direito de Consumo (APDC), consideram que a forma de comercialização do serviço "é ilegal e abusiva dos direitos dos consumidores". Porque não existe qualquer garantia de que o consumidor aceitou o serviço, o qual representa uma alteração ao contrato inicial estabelecido com a operadora.

Mesmo existindo um contacto telefónico explicando as características do produto - que muitos consumidores, nas queixas apresentadas, afirmam não ter sido efectuado -, não há nenhuma garantia de que seja o titular da conta a receber a chamada do serviço de marketing da PT ou que o mesmo tenha ficado totalmente esclarecido das vantagens e inconvenientes do serviço, sublinham estas entidades de defesa do consumidor.

As associações admitem que não há mais reclamações porque os portugueses controlam pouco as facturas que lhes são apresentadas, uns por descuido e outros por falta de informação. E dizem que não duvidam que há muitos consumidores a pagar planos de preços sem deles retirar qualquer benefício.

Divergências na interpretação da lei

Os juristas Luís Pisco, da DECO, e Pedro Nunes, da ACOP, e o presidente da APDC, Mário Frota, são unânimes em considerar que a introdução dos planos de preços configura uma alteração ao contrato inicial existente entre a operadora e o cliente. E que a sua aceitação tem de ser feita pelo titular do contrato, por meios que possam ser apresentados como prova, como um documento escrito, tal como estipula o regime legal da defesa dos consumidores (Lei 24/96, de 31 de Julho).

A devolução do valor pago no âmbito dos planos dos preços - a maioria através de créditos - é, segundo os juristas, um dado evidente de que não existe prova legal de que o cliente tenha aceite o plano. De acordo com a lei, "o consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido".

O Instituto do Consumidor - órgão público com poderes para propor medidas legislativas - recebeu sete queixas em 2005, quase todas resolvidas a favor dos consumidores, afirmou ao PÚBLICO fonte oficial. A fundamentação das reclamações apresentadas junto da PT assenta exactamente no facto de ter não existido qualquer alteração ao contrato-base, o que impede a operadora de cobrar os planos de preço.

Questionada pelo PÚBLICO, a PT sustenta a legalidade da forma de comercialização dos planos com base no regime legal sobre Comércio Electrónico e Contratos à Distância. Os planos são vendidos maioritariamente por contacto telefónico, embora os clientes possam pedir o serviço ou seleccioná-lo automaticamente no aparelho seguindo procedimentos dados pela operadora. Aquele regime, defende a PT, "estabelece o princípio da liberdade de celebração de contratos por via electrónica".

A operadora reconhece que a subscrição do plano de preços "consubstancia uma alteração contratual", e acrescenta que a subscrição via telefone "contém todos os elementos necessários para que a alteração contratual fique concluída com a simples aceitação do cliente". Ou seja, a PT defende que nos telefonemas em que propõe a venda dos planos de preços, o operador informa suficientemente o cliente das características do serviço que passará a cobrar e que basta uma resposta afirmativa para que o contrato esteja automaticamente alterado a partir dessa data - tal como determina a Lei do Comércio Electrónico.

"Estamos perfeitamente seguros da legalidade dos procedimentos. Há uma aprovação telefónica do cliente. E depois é-lhe enviada uma carta com o plano de preços, que reforça o contacto telefónico", afirma fonte oficial. "É uma prática comum em vários países. Não é novidade", sublinhou.

Instituto do Consumidor estuda questão

As associações de consumidores reclamam a intervenção do Instituto do Consumidor e da própria Anacom no sentido de obrigar a operadora a alterar o procedimento de comercialização dos planos. Fonte oficial do Instituto do Consumidor adiantou ao PÚBLICO que todas as reclamações estão a ser analisadas em detalhe, e remeteu para mais tarde uma posição sobre a legalidade do procedimento comercial da operadora em relação a esta matéria.

A Anacom, órgão regulador do sector, tem poderes de fiscalização sobre a PT, e os planos de preços da operadora tiveram necessariamente de ter a sua aprovação. Ou seja, passaram pelo crivo do regulador, especialmente atento a questões de concorrência e menos às do consumidor. Fonte oficial do regulador, afirmou que tem queixas de consumidores em relação ao procedimento da PT na comercialização dos planos de preços, mas adiantou que ainda não tomou qualquer decisão.

Quanto à legalidade do procedimento, a Anacom remeteu para o decreto-lei nº 143/2001, de 26 de Abril, que abre espaço para a liberdade de forma para os contratos à distância. Contudo, sublinhou que esta é uma questão mais do foro de competência do Instituto do Consumidor.


Fonte: Público

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