sexta-feira, dezembro 02, 2005

Prova mal gravada anula julgamentos


O sistema de gravação das audiências de julgamentos “não é seguro, não é fiável, é caro e constitui a principal causa de anulação dos julgamentos de primeira instância”.

Segundo alguns juristas contactados pelo CM, o sistema não tem manutenção, avaria com frequência, as cassetes podem ser desmagnetizadas e, em muitas situações, os testemunhos não são audíveis. Foi precisamente este problema que afectou o julgamento da criança que morreu afogada numa caixa de esgoto no Seixal. Parte dos depoimentos proferidos em tribunal terá de ser repetida.

Rogério Filipe tinha quatro anos e encontrou a morte quando passeava com a família, em Março de 1999. O caso seguiu para julgamento e, em Julho, deste ano, o tribunal condenou a autarquia a pagar uma indemnização. A falha nas gravações do julgamento já havia sido detectada com o depoimento da mãe da criança, mas viria a verificar-se também noutros testemunhos. Se a repetição dos depoimentos originar uma prova diferente, a sentença poderá ser anulada.

BT-GNR CUSTOU 16 MIL EUROS

O sistema de gravação da prova produzida em audiência de julgamento é a regra nos processos penais. São as secretarias dos tribunais que suportam os custos pagando por hora de gravação. Nos julgamentos mais pequenos uma transcrição pode custar 150 euros. Mas num megaprocesso, como por exemplo o da Brigada de Trânsito de Albufeira, com 35 arguidos – 25 elementos da BT e dez empresários – os custos podem ser exorbitantes. Neste caso, a transcrição custou mais de 16 mil euros.

O registo dos depoimentos em cassetes áudio é deficiente e tem-se revelado como a principal causa das anulações de julgamento, por deficiência da gravação.

SEIXAL REPETE DEPOIMENTOS

O tribunal do Seixal não conhece ainda a verdadeira dimensão dos estragos causados pelo sistema de gravação pelo que determinou apenas a repetição de alguns depoimentos. Segundo um dos advogados do processo contactado pelo CM “não está afastada a hipótese de repetir todo o julgamento”. Este problema já tinha sido detectado nas primeiras sessões, facto que obrigou a mãe do pequeno Rogério e repetir o seu depoimento. O tribunal condenou a autarquia a pagar uma indemnização de 250 mil euros aos pais do Rogério Filipe, o menino de quatro anos que morreu em resultado da queda numa caixa de esgoto, em 1999. Um funcionário municipal foi acusado de homicídio por negligência e infracção das regras de construção negligente.

REGISTAR SOM E IMAGEM EM TEMPO REAL

Para evitar situações como a do Seixal, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses está a desenvolver um projecto inovador. Chamou-lhe Tribunal XXI e vai testá-lo dentro de três meses num tribunal piloto sem custos para o Estado. A ideia é registar em suporte áudio e vídeo digital toda a produção de prova, com transcrição em tempo real, mediante estenografia digital. O projecto tem o apoio da Microsoft e permitirá, segundo a associação, uma Justiça mais célere, com menores custos. Evitará as transcrições das gravações dos julgamentos e as despesas que lhe estão associadas. Trata-se de uma solução única a nível mundial, existindo experiências similares apenas nos EUA e no Brasil, mas não tão avançadas. O sistema de documentação, por estenografia digital – no futuro por ‘software’ de reconhecimento de voz – capta toda a decisão podendo ser impressa logo depois de ter sido proferida pelo juiz.

EXEMPLOS

CASA PIA É EXCEPÇÃO

As sessões do julgamento do processo Casa Pia estão a ser gravadas em cassete e CD. Também foram feitos registos em vídeo de audiências, como as declarações de algumas vítimas e as deslocações do tribunal a locais relacionados com abusos de casapianos – casas de Elvas, Lisboa e Teatro Vasco Santana. Segundo Ricardo Sá Fernandes, advogado de Carlos Cruz, as gravações são de “boa qualidade”. As declarações iniciais de Carlos Silvino, Carlos Cruz, Manuel Abrantes e Catalina Pestana já estão transcritas para papel, por iniciativa dos advogados de Cruz. Os custos foram divididos pela defesa e pela Casa Pia.

LÁ FORA HÁ PIOR

Por incrível que pareça há países onde o sistema é ainda mais arcaico do que o nosso. Espanha, França, Bélgica, Grécia, Luxemburgo e Holanda reduzem a escrito o que se diz em tribunal e só em determinados processos. Na Alemanha e na Áustria o juiz dita um resumo. Em Estugarda há um tribunal modelo com registo sonoro. Nos EUA e nalguns Estados do Brasil há estenografia digital.

Fonte: www.correiodamanha.pt

Sem comentários: