segunda-feira, dezembro 19, 2005

A justiça em democracia


Atacar o procurador não é algo que possa seguir as formas comuns do normal debate democrático. Porque podemos viver com crise económica, podemos existir na conflitualidade social, podemos até ser portugueses com o Estado perdendo credibilidade. Mas como podemos ser civilizados se duvidarmos da justiça?

A democracia só funciona quando respeita os limites que impõe a si mesma. As nossas dolorosas experiências antigas, derrocando na manipulação (liberal) ou no caos (republicano), ensinaram-nos isso. Pelo contrário, o sucesso destes 30 anos democráticos baseia-se precisamente nesse respeito. Que é posto agora em causa nos ataques à dignidade de uma figura cimeira do Estado.

Assistimos na comunicação social a uma clara campanha contra o procurador-geral da República. Em si, ela é semelhante a episódios frequentes contra ministros e personalidades mediáticas. Dentro de limites, esses debates são saudáveis e normais. Quando tocam em cargos públicos de topo exigem mais delicadeza, mas continuam compreensíveis. Só que ninguém reparou numa diferença decisiva deste caso.

A justiça é o único órgão de soberania não sujeito a sufrágio. A razão é simples a justiça é justa, é objectiva, é equilibrada. A justiça não é, pois, democrática. Para ser justiça, não segue as maiorias ou opiniões; não favorece o rico, mas também não beneficia o pobre. Como diz a lei dada a Moisés: "Não intervirás num processo para te inclinares atrás da maioria, violando a justiça. Não favorecerás o fraco no seu processo." (Ex 23, 2-3). A justiça é a busca do recto e verdadeiro. Por isso a justiça é o único órgão da democracia que funciona no segredo.

Evidentemente que a justiça humana é sempre falível, influenciada por costumes, modas, apreciações subjectivas. Mas só pode existir se aspirar permanentemente a superar com honestidade esses limites e buscar o justo equilíbrio.

Existem, naturalmente, controlos democráticos sobre a instituição da justiça. Mas são apenas externos. Se um juiz ou procurador abusa da sua função, tem de ser substituído. Mas enquanto estiver, não tem interferências na sua operação.

As especificidades da justiça são várias. A actual crise dos sectores sociais, educação, saúde, Segurança Social, etc., que partilhamos com os outros países desenvolvidos, atinge na justiça uma profundidade diferente, por ser o único deles que constitui um órgão de soberania. Mesmo entre os órgãos de soberania, a justiça é especial. O Presidente simboliza a Nação, os ministros tratam da prosperidade e os deputados das regras de convivência social. Mas juízes e procuradores ocupam-se da justiça, base essencial da civilização.

Atacar o procurador-geral, mesmo não sendo órgão de soberania, não é algo que possa seguir as formas comuns do normal debate democrático. Porque podemos viver com crise económica, podemos existir na conflitualidade social, podemos até ser portugueses com o Estado perdendo credibilidade. Mas como podemos ser civilizados se duvidarmos da justiça? É curioso que no primeiro tempo que não conta com outra justiça para além da dos tribunais se minem os fundamentos que mantêm esse sector básico da vida civilizada.

Tais ataques são tanto mais estranhos quando, pela primeira vez na história recente, assistimos à acusação judicial de poderosos, figuras gradas da nossa sociedade e política. Existem vários megaprocessos com vastas ramificações, supostas ou aparentes, na esfera do poder. Não fica, pois, nada bem que outras personalidades públicas venham aos jornais denegrir o procurador que dirige superiormente essas causas. Para quê tais discussões na praça? As argumentações dos processos debatem-se em tribunal; os detalhes são irrelevantes; as opiniões de bancada só servem para baralhar.

Talvez o mais patético seja ver comentadores que exaltam a imagem da justiça, só para a atacar. Ou jornais, que violam impunemente o segredo de justiça, indignarem-se por o Ministério Público permitir tais violações. Isto não é falha de justiça. É perda de vergonha.

A justiça não é nos jornais que se discute. Se pretendemos justiça só há que garantir que os processos corram da forma prescrita. Isso consegue-se com mais respeito e meios ao procurador, não menos. Discussões públicas sobre os temas podem ser democráticas. Mas não são justas.

Por João César das Neves, in www.dn.sapo.pt

2 comentários:

victor rosa de freitas disse...

Para quando uma Democracia e uma PGR honestas e credíveis?

Comecemos por uma citação:

“15. Foram autorizadas as renovações das comissões de serviço do Dr. Francisco Teodósio Jacinto, como Director do Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais, com efeitos a partir de 01/09/2005…”

(In, Boletim nº 77 do Conselho Superior do Ministério Público, publicado no site da PGR, http://www.pgr.pt/).

Como se alcança do meu último post, neste sítio, o SR. FRANCISCO TEODÓSIO JACINTO era só o Inspector (na altura) do Ministério Público que participou, disciplinar e criminalmente, contra mim, USANDO UMA CERTIDÃO TRUNCADA E FALSA de um processo que eu havia despachado.

Para quando a investigação do que aqui é dito por mim, quanto a esse senhor e a sua punição pelos competentes Tribunais?

Trata-se de CRIME PÚBLICO, segundo a LEI!

Todos os factos por mim relatados são do conhecimento da PGR (depois de, pessoalmente, os ter referido e apresentado perante o senhor vice-PGR, LIC. AGOSTINHO HOMEM) e do CSMP, desde há cerca de um ano a esta parte.

Aliás, formulei um pedido de revisão do meu processo disciplinar com base em tal certidão truncada e falsa – juntando os documentos comprovativos – e o CSMP indeferiu com o fundamento de que EU é que devia ter junto ao processo disciplinar uma certidão verdadeira!!

Claro que houve recurso para o STA e reclamação para o CSMP.

A reclamação foi indeferida, agora com o fundamento de que EU nunca havia referido os documentos em falta na minha defesa – o que é absolutamente falso, bastando ler o respectivo processo para confirmar esta minha afirmação.

Para quando gente séria na PGR e no CSMP?

Até acredito que os membros do CSMP são gente séria!

Mas negligentes.

Não lêem nada dos processos que o Relator leva ao CSMP.

E homologam tudo, a não ser em pormenores de direito!

Não querem maçadas nem aborrecer ninguém, como é óbvio.

E quem foi o Relator do indeferimento do meu referido pedido de revisão e da subsequente Reclamação, com a argumentação referida?

Foi o LIC. ARMÉNIO SOTTOMAYOR, na altura Procurador-Geral Adjunto e Distrital do Porto, que (por acaso (??!!)) já havia relatado a proposta do meu afastamento disciplinar.

E que faz este senhor agora?

É Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, imagine-se!

Para quando uma Justiça credível?

Para quando uma PGR (e CSMP) honesta e credível?

Responda a isto, Sr. Adriano Souto de Moura, ou processe-me!

Já sei!

O Sr. não me vai processar pelo que eu digo agora!

Vai “dar a volta” e processar-me pelo meu "pecado original", vai descobrir “algo” que eu tenha feito antes, no exercício de funções, para me atingir.

Como, aliás, já está a fazer…

O costume!

Todos estes factos são do conhecimento do Senhor Presidente da República, Ministro da Justiça (do governo Santana Lopes), da Assembleia da República (onde se encontra pendente a minha petição nº 16/X/1, na 1ª Comissão – dos Assunto Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias), do Provedor de Justiça, da Ordem dos Advogados…

E até agora, nada!

A PGR não me deixa trabalhar, não me paga vencimento, não tenho segurança social nem assistência médica, nem posso advogar!

Querem-me matar?

Claro!

Se eu morrer, acaba o problema para todas estas entidades.

É esta a credibilidade da “justiça” e da “democracia” portuguesa!

Para quando uma democracia credível?

Para quando uma PGR honesta e credível?

Anónimo disse...

Agora percebo porque fui prejudicado no último concurso ao CEJ...

É verdade meus caros, por ter um determinado nome de família, e em vez de correr o "risco" de ser beneficiado como muitos o foram, fui prejudicado na atribuição de notas, por ser familiar de uma pessoa ligada à Magistratura Judicial.

Bom mas, tendo em consideração o post anterior, aquilo que me aconteceu este ano é uma brincadeira de crianças!!!

Depois queixem-se que a qualidade dos Magistrados mais novos deixa muito a desejar ou que os melhores alunos da Faculdade seguem outras profissões.

Seguramente que entram todos os anos muito bons juristas no CEJ, mas deixem-me que vos diga que há muito boa gente que entra pelo "Factor C".
Assim vai a justiça no nosso lindo país de brandos costumes.