quinta-feira, dezembro 22, 2005

A Reforma do Arrendamento Urbano foi ontem aprovada na Assembleia da República com os votos a favor do PS, com a abstenção do PSD e CDS/PP e os votos


A Reforma do Arrendamento Urbano foi ontem aprovada na Assembleia da República com os votos a favor do PS, com a abstenção do PSD e CDS/PP e os votos contra do PCP e BE. Não se encontrando ainda disponível a versão definitiva, divulga-se um documento da Secretaria de Estado da Administração Local sobre o novo regime.

A Reforma do Arrendamento Urbano

INTRODUÇÃO

A necessidade de revisão do regime do arrendamento urbano reúne generalizado consenso. Há sobretudo consenso quanto ao cerne do problema: o que está em causa não é o actual RAU, mas sim a manutenção de muitos arrendamentos anteriores a 1990. Nestes, em regra, o valor das rendas é muito baixo, o que leva os senhorios a desinteressarem-se da manutenção dos prédios. Ou, mesmo quando nela interessados, a não ter meios para a realizar. As nefastas consequências deste sistema são bem conhecidas: a nível privado, proliferação de situações de flagrante injustiça, em que alguns inquilinos beneficiam de rendas sem qualquer correspondência com o valor de mercado, e muitos residem em locais sem as mínimas condições de habitabilidade; a nível público, acentuada degradação do património edificado, com custos para quem nele habita sem condições de segurança e salubridade, e custos para a sociedade em geral, ao depreciar a imagem dos centros urbanos, com reflexos no ambiente e, indirectamente, no turismo.

A NOVA LEI DO ARRENDAMENTO URBANO

A nova Lei do arrendamento parte de uma ideia fundamental: o principal problema a atacar é o da actualização das rendas. Quem é senhorio tem o legítimo direito a receber, pela locação da sua propriedade, um valor justo, que legitime e possibilite a exigência de cumprimento dos deveres de manutenção do prédio. Estando assegurado o pagamento da renda justa, o interesse do senhorio será o da manutenção do contrato.Com base neste princípio, cria-se um mecanismo eficaz de actualização da renda, garantindo que esse mecanismo de determinação não ficará ao dispor da vontade ou da capacidade económica e negocial das partes.Há, ainda, um outro vector essencial – se o senhorio tem direito à renda justa, o arrendatário tem direito à estabilidade da habitação. Nesta Lei, actualizadas as rendas, o contrato continua a vigorar, só havendo possibilidade de despejo nos mesmos casos em que ele é, já hoje, possível.Em resumo, a nova Lei, em relação ao regime transitório, ataca a renda, não o contrato.

O mecanismo de actualização das rendas, para não ser fonte de conflito, deve ser objectivo. Para tal, aproveita-se o sistema de determinação do valor dos imóveis nascido da recente reforma da tributação do património. É natural que o valor da renda reflicta o valor do bem, pelo que a conjugação do valor da avaliação fiscal com o valor da renda é um sistema simples e objectivo. O senhorio que deseje a actualização da renda deve, pois, requerer a avaliação fiscal do imóvel. Este valor é depois conjugado com o coeficiente de conservação, de modo a permitir distinguir entre diversos estados de conservação do imóvel.Apurado o valor da renda, a sua aplicação aos arrendamentos antigos é feita de forma faseada, de modo a minorar o impacto que tal actualização representa no orçamento do arrendatário.

A nova Lei contempla ainda a questão da reabilitação urbana. Só pode haver aumento de renda nos casos em que o imóvel não está degradado, o que incentivará a realização de obras de conservação e recuperação dos imóveis, com evidente melhoria das condições de vida dos inquilinos. Serão revisto oss incentivos à reabilitação. Se, apesar desses incentivos, não forem efectuadas as obras necessárias, recorrer-se-á a obras coercivas.

O sistema é protector da posição do arrendatário, e mais vantajoso para o Estado. Ao garantir que não haverá aumento de despejos, nem actualização brusca dos valores das rendas, as necessidades assistenciais são significativamente reduzidas. Por outro lado, ao ligar o direito à actualização do valor da renda a uma avaliação fiscal, são potencialmente aumentadas as receitas em sede de IMI.

A nova Lei é a peça chave de uma ambiciosa opção reformista. Não se altera apenas o regime do arrendamento urbano, vai-se mais além, prevendo um sistema integrado de política urbana e de habitação. Pretende-se, a um tempo, requalificar o património edificado e dinamizar o mercado de arrendamento, aumentando a oferta. Para este efeito são penalizados, em sede de IMI, os prédios devolutos. São também criados mecanismos de intervenção coerciva que deixem de premiar a opção por deixar degradar os imóveis até à ruína, na expectativa de lucrativa substituição por novo edifício. Na sequência desta Lei surgirão diplomas de regulamentação e desenvolvimento, que formarão um conjunto coeso destinado ao combate à degradação urbana.

Uma palavra para o arrendamento comercial. É sabido que o comércio de proximidade é essencial a uma sã vivência urbana, e esse conhecimento determina um especial cuidado. Se, por um lado, o comércio não se pode isolar das tendências da modernidade, parando no tempo, também há que preservar o comércio tradicional, não permitindo que as localidades se transformem em dormitórios inseguros, na vizinhança de centros comerciais. Todas estas preocupações têm reflexo no novo regime.

De nada servem boas leis se tudo pode parar, longamente, no tribunal. Esta Lei encara este problema. Assim, o recurso ao tribunal deixa de ser sempre uma necessidade. Para algumas situações de litígio, não relacionadas com a subsistência do contrato, criam-se as Comissões Arbitrais Municipais. Para situações de incumprimento inequívoco, nomeadamente falta de pagamento da renda, possibilita-se a formação de título executivo extrajudicial.

A estrutura da Reforma

A Lei agora aprovada reúne o essencial da Reforma.

Na Lei destacam-se três partes: O Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), o Regime transitório e as Disposições Gerais.O Novo Regime do Arrendamento Urbano tem a sua regulação essencial no Código Civil. Este regime é imediatamente aplicável, em tudo o que não é ressalvado pelas disposições transitórias, aos contratos existentes aquando da entrada em vigor da nova lei – é, pois, um novo regime, e não um regime dos novos arrendamentos.

O Regime Transitório, além das normas relativas à aplicabilidade das novas regras, dedica-se essencialmente à magna questão da actualização das rendas.

No restante diploma tratam-se questões gerais, aplicáveis a qualquer contrato de arrendamento, e cujo lugar natural não é o Código Civil. São exemplo as disposições relativas à forma de comunicação entre as partes e as relativas à consignação em depósito.

Parte essencial do diploma prende-se com os aspectos processuais. Assim, as especialidades da acção declarativa de despejo são aqui tratadas, e aqui se refere – alargando-o – o elenco de títulos executivos que podem fundar imediatamente um pedido de despejo. Será comum a todos os arrendamentos urbanos a possibilidade de resolução extra-judicial do contrato em caso de falta de pagamento da renda, formando-se então título executivo mediante notificação judicial avulsa ou contacto pessoal de advogado, solicitador ou solicitador de execução.

Ao mesmo tempo, é alterado o Código de Processo Civil, de molde a adequar a acção executiva para entrega de coisa certa às particularidades derivadas do facto de a coisa em questão ser uma casa arrendada.

Ao ter um tão alargado âmbito, a Lei revoga o RAU, embora se preveja que algumas das suas disposições se continuem a aplicar aos contratos celebrados na vigência daquele. Com efeito, é de mais simples apreensão e aplicação um sistema em que não coexistam, por tempo indeterminado, duas regulações sobre temas materialmente idênticos, sendo possível, com a devida cautela e tendencialmente, sujeitar todos os contratos à mesma lei. Diga-se, a propósito, que a mesma solução foi adoptada em 1990, tendo o RAU sido imediatamente aplicado a todos os arrendamentos então vigentes.

O NRAU

O Novo Regime do Arrendamento Urbano, como acima se explicitou, consta essencialmente do Código Civil.

O arrendamento urbano é dividido em dois grandes sectores: habitacional e não habitacional. O RAU continha a tradicional quadripartição em arrendamento para habitação, para comércio e indústria, para profissão liberal e para qualquer outro fim lícito. Embora tradicional, esta divisão tem vindo a perder conteúdo, não se justificando, à luz do sistema agora criado, a sua manutenção.

Arrendamento habitacional:

Embora exista uma tendência para conferir, também no arrendamento habitacional, um maior relevo à autonomia privada, não se pode ignorar que, estando em causa a habitação, há preocupações especiais a considerar. O facto de a habitação ser um direito fundamental, como tal considerado pela Constituição, leva a que o legislador possa – e deva – conceder tratamento favorável ao arrendatário. É certo que esta reforma tem por objectivo, entre outros, o aumento da oferta de habitações para arrendar, com o que isso significa de reequilíbrio de poder entre as partes. No entanto, mesmo que o arrendatário, insatisfeito com a sua situação, não tenha dificuldade em encontrar no mercado de arrendamento uma nova habitação que satisfaça, a preço comportável, as suas necessidades, qualquer mudança de habitação tem inconvenientes associados. Justifica-se assim a tutela da estabilidade, traduzida, por exemplo, na manutenção do direito de preferência do arrendatário.

O arrendamento para habitação passa a poder revestir duas modalidades: com prazo certo ou de duração indeterminada.O arrendamento com prazo certo terá uma duração mínima de 5 anos, renovável se nenhuma das partes a tal se opuser.O arrendamento de duração indeterminada terminará em caso de denúncia. Tal denúncia, quando efectuada pelo senhorio, só poderá ocorrer mediante justificação tipificada na lei, ou mediante um dilatado pré-aviso de 5 anos.

Arrendamento não habitacional:

O arrendamento para fins não habitacionais não exige um tão elevado número de precauções. As actividades em causa são, maioritariamente, de natureza económica, não sendo, à partida, identificável uma parte mais fraca no contrato. Significa isto que o legislador pode aligeirar aqui a sua actuação, deixando à livre conformação das partes as normas a que se vinculam. O papel do legislador consiste sobretudo, nesta sede, em pôr à disposição dos sujeitos um conjunto adequado de normas supletivas, que as dispensem de efectuar longos clausulados, quando não o queiram ou saibam fazer, e que ajudem a resolver questões omissas.

O REGIME TRANSITÓRIO

O regime transitório incide sobre dois grandes grupos de contratos: os celebrados antes de 1990 (ou 1995, relativamente aos arrendamentos comerciais), e os celebrados após essa data.

Para ambos os grupos se prevê a sujeição ao novo regime, com ressalva da aplicação de algumas normas do RAU e da não aplicação de algumas normas do NRAU (nomeadamente, não será aplicável aos contratos já existentes a possibilidade de denúncia com pré-aviso de 5 anos).

A distinção essencial entre os grupos referidos prende-se com a possibilidade de actualização de rendas, a qual só existe para os contratos mais antigos.

Actualização de rendas

Na Lei agora aprovada a renda futura não é determinada pelas partes, mas sim através da aplicação de uma fórmula legal, que tem como ponto de partida o valor da avaliação fiscal. O valor da avaliação fiscal é ainda submetido a uma ponderação relativa ao estado de conservação do bem. Essa ponderação, além de determinar o valor da futura renda, determina, antes disso, algo de fundamental — a possibilidade de actualização. No arrendamento para habitação, se o estado de conservação for mau ou péssimo o senhorio não tem direito à actualização.

Podendo ser feita a actualização, esta ocorrerá de modo faseado, decorrendo o faseamento em regra ao longo de 5 anos. O faseamento será feito em 10 anos quando o arrendatário tenha mais de 65 anos seja portador de deficiência superior a 60% ou o seu agregado familiar aufira menos de cinco ordenados mínimos.O arrendatário cujo agregado familiar receba um rendimento inferior a três ordenados mínimos, e o arrendatário com idade superior a 65 anos cujo agregado familiar receba um rendimento inferior a cinco ordenados mínimos, têm direito a um subsídio de renda.O faseamento decorrerá em 2 anos quando o rendimento seja superior a 15 ordenados mínimos ou o arrendamento não se refira a habitação permanente.São estabelecidos limites máximos para a actualização da renda, sendo o limite fixado em 50 euros de aumento da renda mensal no primeiro ano e em 75 euros em cada ano posterior de actualização. Estes limites não se aplicam quando a actualização se faça em dois anos.

Regras semelhantes se aplicam ao arrendamento para fins não habitacionais. Nestes arrendamentos o faseamento pode ser em 5 ou 10 anos, sendo de 10 anos quando o arrendatário seja uma micro-empresa ou uma pessoa singular e exista no locado um estabelecimento comercial aberto ao público, quando tenha adquirido o estabelecimento por trespasse ocorrido há menos de cinco anos, quando exista no locado um estabelecimento aberto ao público e aquele esteja situado em área crítica de recuperação e reconversão urbanística, ou ainda quando a actividade exercida no local tenha sido classificada de interesse nacional ou municipal. Não há lugar a faseamento no caso de o estabelecimento não estar em funcionamento, ou no caso de vir a existir um trespasse ou uma alteração no controlo da sociedade.

Em caso de diferendo entre as partes, prevêem-se mecanismos expeditos para a sua resolução. Nomeadamente, são constituídas Comissões Arbitrais Municipais (CAM), compostas por representantes da Câmara Municipal, do serviço de finanças competente, dos proprietários e dos inquilinos, com relevantíssimas finalidades, entre elas o acompanhamento da avaliação dos prédios arrendados, a coordenação da verificação dos coeficientes de conservação dos prédios e a arbitragem em matéria de obras.

Embora com rendas actualizadas, não se pretende que os contratos anteriores a 1990 possam vigorar eternamente, sem qualquer possibilidade de o senhorio os fazer terminar. Desta forma, para estes contratos são criadas normas especiais quanto à sua transmissão por morte, bem como quanto à possibilidade de denúncia mediante pré-aviso de 5 anos no caso de ocorrer trespasse ou alteração no controlo da sociedade.

A REGULAMENTAÇÃO DA LEI

A par do conteúdo já apresentado, a Lei prevê a autorização da Assembleia da República ao Governo para, no prazo de 120 dias, aprovar os seguintes diplomas:
a) Regime jurídico das Obras Coercivas;
b) Definição do conceito fiscal de prédio devoluto;
c) Regime de determinação do Rendimento Anual Bruto Corrigido;
d) Regime de determinação e verificação do Coeficiente de Conservação;
e) Regime de atribuição do Subsídio de Renda;
f) Regime do património urbano do Estado e dos arrendamentos por Entidades Públicas, bem como do regime das rendas aplicável;
g) Regime de intervenção dos Fundos de Investimento Imobiliário e dos Fundos de Pensões em programas de renovação e requalificação urbana;
h) Criação do Observatório da Habitação e da Reabilitação Urbana, bem como da Base de Dados da Habitação;
i) Regime jurídico da utilização de espaços em Centros Comerciais.

CONCLUSÃO

Em suma, o regime contido na nova Lei visa a modernização do mercado de arrendamento, corrigindo as injustiças do passado, sem a criação de novas injustiças. Um problema de décadas é um problema com solução, mas essa solução não é instantânea. Para não se tornar, ela própria, num novo problema, tal solução tem de ser aplicada de forma gradual. O seu sucesso é seguro – necessário é dar-lhe rápido início, com segurança e sem hesitação


Fonte: www.oa.pt

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