domingo, dezembro 18, 2005

"Não tenho confiança nas armas da Polícia"


O agente Bento está cansado. Mais de 20 anos de tiros dados e recebidos, centenas e centenas de detenções, ameaças, perseguições, a morte adiada várias vezes, mas até aí tudo bem - "ou eles ou nós, é apenas um jogo". O pior é o resto e o resto foi ver morrer o colega em Lagos, o chefe Sérgio Martins, "de forma inglória", a gota de água que o fez perder a paciência. "Perder a vida em serviço é um risco inerente à nossa profissão de polícia e temos que o assumir, não temos que nos queixar", justifica o agente da investigação criminal da PSP da Torre da Marinha, na Margem Sul do Tejo. Mas saber que ele "morreu rodeado de carros velhos, armas obsoletas ou que só disparam balas de borracha isso é revoltante".

Fala ao JN sabendo que as suas palavras "assumidas" podem custar-lhe um processo interno, mas, nos seus 45 anos, já não está para se preocupar com processos disciplinares "Só espero que as minhas palavras sirvam para alguma coisa, que cheguem lá acima, às chefias". E esse é um dos problemas, segundo aponta, "até comandante de esquadra ou de divisão ainda vão conhecendo as condições de trabalho reais de quem anda na rua, mas daí para cima...", e deixa um silêncio de dúvidas. Este Verão viu-se perante um traficante no Bairro da Jamaica a apontar-lhe directamente uma arma. O suspeito premiu o gatilho, mas a bala não partiu, possivelmente por problemas na munição. O Bento não morreu "porque não calhou" e não sacou da pistola para responder à ameaça "porque havia muita gente à volta". "Mas senão tinha disparado, para me defender, como já o fiz, mas com confiança, porque a arma é minha, fui eu que a comprei, quando percebi que não podia ter confiança na pistola de serviço".

Sabe que a opção é ilegal à face das normas policiais, mas riposta "Pela minha vida sou eu que respondo e se a polícia não me dá armas em condições, então eu só tenho um caminho". Mas não bastam as armas, salienta, "o crime violento tem vindo a aumentar, mas a instrução de tiro além de ser pouca não é a adequada. Limitamo-nos a ir para uma carreira de tiro, neste caso o camião, e fazer uns quantos tiros para alvos fixos. Devíamos ter também instrução para abrir fogo contra alvos em movimento, porque as situações que se nos deparam são cada vez mais nestas condições. E haver mais munições: não faz sentido apenas 16 distribuídas por agente". Mas salienta que "não basta dizer que as pistolas são velhas. Se não houver instrução correcta, o agente dificilmente consegue manusear em condições seja que arma for e se assim acontecer até a pode encravar".

São falhas que o agente Bento aponta, ainda com a morte do chefe Sérgio Martins a marcar-lhe a memória, mas salientando que "seria também necessário alterar as regras de empenhamento. Quando eu vim para a PSP há 22 anos, havia menos criminalidade e tínhamos mais liberdade de acção; agora com mais crime e mais violência, a polícia até tem medo de disparar".

in jn.sapo.pt

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