quarta-feira, maio 17, 2006

Tribunal autoriza adopção contra vontade dos pais


O "superior interesse da criança" ultrapassa os direitos dos pais biológicos. Um toxicodependente, ainda que em tratamento, pode ser equiparado a um doente do foro mental e pode ser decretada uma medida de confiança judicial, que lhe retire a possibilidade de ter um filho a seu cargo. O perigo exigido para o decretamento dessa medida basta que seja "iminente" ou "provável", não precisando de existir maus tratos psicológicos ou lesões físicas no menor.

A tese, defendida pelos juízes desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra, é controversa, mas fundamentou um pedido, deferido, de adopção de uma criança de seis anos. Um menino que tinha sido entregue aos cuidados da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa com poucos meses de vida e que se encontrava inserido numa família de acolhimento.

Os pais biológicos opunham-se à adopção plena e demonstraram no processo que agora teriam condições para manter os laços afectivos com o filho. O homem estaria em tratamento de toxicodependência, a mulher teria recebido alta do hospital psiquiátrico onde recebeu apoio médico, e ambos morariam num T3, com condições para a curto prazo poderem receber a criança. Queriam não ser impedidos de visitar regularmente o filho, pelo menos até reestruturarem a família.

"Não é justo para os pais do menor, e muito menos para este, que sendo todos vítimas do sistema de segurança social, do ostracismo social das delongas processuais, se separe uma família biológica só porque em devido tempo não foi dada uma oportunidade de se provar a estabilidade do menor no seio da família", argumentava então o advogado dos pais, no processo que interpôs naquele tribunal superior.

Os juízes não entenderam assim. Para eles, o poder paternal não é "um direito subjectivo", porque não está dependente da livre vontade do titular, mas antes um "poder funcional", que implica deveres fundamentais. E quando estes não são cumpridos, dizem os magistrados, os direitos das crianças devem ser salvaguardados. "Quando os pais não cumprem os deveres fundamentais, a ordem jurídica confere às crianças, enquanto sujeitas de direito, mecanismos de protecção, podendo os filhos deles serem separados", pode ler-se no acórdão.

Ainda segundo a decisão judicial, a que o PÚBLICO teve acesso, embora a lei apenas preveja as doenças mentais como causa de incapacidade para a guarda de um menor, os juízes entendem que tal conceito deve ser alargado à toxicodependência e ao alcoolismo. "Apesar de a lei apenas prever a incapacidade dos pais por doença mental, o espectro normativo, numa interpretação teológica, abrange outras situações similares, como a toxicodependência e o alcoolismo", asseguram, concluindo que o perigo indicado na lei não pressupõe uma lesão, bastando para tal que seja "iminente ou provável".

Por Tânia Laranjo, in Público

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