segunda-feira, maio 29, 2006

Conhecimento da vida é essencial aos magistrados


O Centro de Estudos Judiciários acolheu um seminário debate sobre a Reforma da Lei do CEJ, numa iniciativa da própria instituição que pretendeu, desta forma, acolher os contributos dos vários conselhos, Ordem e faculdades, entre outras opiniões.

A grande questão do debate promovido pelo CEJ no início do mês, foi a falta de experiência de vida e cultura geral dos magistrados. Duas correntes distintas de opinião animaram as duas sessões que debateram a formação inicial e a formação contínua no âmbito dos programas do CEJ.

Partindo da questão central se o CEJ tem que existir, qual é o seu sentido e para que é que deve existir, José de Faria Costa, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, realçou o papel fundamental do Centro, mas referiu que é preciso que o ensino jurista tenha cada vez mais Direito. “O Direito, enquanto manifestação agregadora das sociedades em fragmentação, é cimento absolutamente essencial para que essa desagregação não se transforme em caos”.Referindo-se à questão central que norteou todo o debate, Faria Costa afirmou que o que se deseja “são bons juízes, bons magistrados com conhecimento profundo do mundo do Direito, mas que não sejam pessoas afastadas do mundo real. O que eu não quero é que haja magistrados que desconheçam o Direito”. Os magistrados devem, por isso, ser bons juristas e bons cidadãos.

Defendendo a mesma ideia, Daniel Andrade, do Conselho Regional do Centro da Ordem dos Advogados, referiu que “seria de aproveitar Bolonha para a introdução de elementos que permitam que os formadores tenham uma visão mais ampla”. Para o advogado de Coimbra, “os profissionais forenses deverão ter conhecimento sobre um leque de matérias mais aptas ao exercício, uma visão muito mais ampla da sociedade e do cidadão do que a actual, que é deficitária”.

Muitas vezes, assegurou, “o juiz não percebe aquilo que está a julgar. Percebe parte jurídica mas é preciso ter uma visão mais ampla de tudo o que anda à volta do processo, uma visão mais pró-activa da vida em sociedade”. O conhecimento da vida, afirmou, “é tão essencial como o conhecimento do Direito”.

CEJ menos teórico

A ideia de que alguns julgamentos poderiam ser feitos ou, pelo menos, ter a participação de especialistas noutras áreas, como a economia, ou a gestão, ou até a medicina, consoante o assunto em causa, gerou também alguma polémica entre os magistrados presentes no debate. Rodrigues Maximiano foi veemente ao afirmar que “a magistratura é uma profissão jurídica" e, portanto, disse não subscrever “as correntes de pensamento que entendem que o recrutamento pode abranger outras profissões que não os licenciados em Direito”.

Em relação ao tipo de formação ministrado no CEJ, Rosendo Dias José, juiz conselheiro, referiu que esta “deveria ir ao encontro da vertente em que o CEJ teria um valor acrescido, e não o valor teórico que tem tido”. De acordo com o magistrado, a Lei do CEJ deveria rever-se de modo a instituir “uma formação teórico-prática nunca superior a seis meses, seguindo-se depois o estágio em tribunais nunca inferior a 12 meses, sempre acompanhado do CEJ, já que a formação nos tribunais não pode ser deixada ao sabor dos «humores» de cada juiz coordenador. É necessário que durante aquele período de um ano se tire todo o proveito possível, porque aquilo que os estagiários precisam está nos tribunais”.

Ainda quanto a esta questão, Eduardo Vera-Cruz Pinto, do Conselho Superior da Magistratura, defendeu que “o CEJ, do ponto de vista daquilo que é a formação dos magistrados, tem que ser sempre produto daquilo que é o resultado da avaliação que se faz dos juízes. E os inspectores dos juízes estão no próprio CEJ”.

Se se quer alguma radicalidade, afirmou em resposta a outras intervenções, “perguntem porque o CEJ é um órgão da administração pública, porque é que o director é nomeado pelo Governo, porque é que o CSM tem apenas uma pessoa no Conselho Pedagógico, porque é que há tão pouca ligação entre a actividade quotidiana dos juízes e aquilo que depois lhes é ensinado aqui”.

Para Eduardo Vera-Cruz Pinto “os tribunais são confundidos com órgãos da administração pública e isso tem a ver com a dignidade do poder judicial”.

Formação contínua

Quanto à formação contínua, o debate gerou-se em torno da necessidade de instituir formação ao longo da vida obrigatória para todos os magistrados, incluindo os dos Supremos Tribunais.

A actualização é essencial”, defendeu o juiz Baeta de Queirós, “mas não é possível hoje sabermos o que vamos precisar amanhã”. No entanto, afirmou, “a especialização tem que entrar na formação contínua. Não são só os profissionais em início de carreira que precisam de formação”.

O problema coloca-se em como tornar aliciante para os juízes a ideia de formação ao longo da vida. “Os juízes trabalham desalmadamente”, referiu Daniel Andrade. “Para participarem em formação contínua é preciso tempo”, mas, por outro lado, “quem tem que ensinar ou aplicar o Direito tem que actualizar os seus conhecimentos”.

Para o juiz desembargador Noronha do Nascimento, a ideia de formação obrigatória “não é repugnante”, mas esta tem que ser feita com intervenção dos Conselhos e de forma descentralizada. O magistrado defendeu mesmo que “qualquer preenchimento de vagas em tribunais especializados, deveria estar condicionado pela formação contínua”. No entanto, reconheceu, “tudo passa por uma mudança de mentalidades”.

A iniciativa do CEJ contou ainda com as intervenções de Wolfgang Heusel, director da ERA, Academia de Direito Europeu de Trier, na Alemanha, que falou sobre “A formação de magistrados – uma visão comparada”, e de Gilles Charbonnier, secretário-geral da Rede Europeia de Formação Judiciária, que abordou o tema “A importância da dimensão europeia na formação de magistrados”.

Por Paula Alexandra Almeida, in JUSTIÇA & CIDADANIA (O Primeiro de Janeiro)

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