quinta-feira, maio 25, 2006

Justiça que prefere ajudar e não castigar


Diogo Lacerda Machado
Barrocas Sarmento Neves, sociedade de advogados

"A louvável apresentação pelo Governo e a colocação em discussão pública do ante-projecto de lei para a introdução em Portugal da mediação penal merece distinção especial e justifica bem a convocação da atenção de todos, mesmo ou sobretudo daqueles que não são juristas.

Desde logo porque o que assim nos é proposto vai muito para além de uma mera alternativa para o tratamento judicial de alguns delitos criminais, por significar a primeira concretização de uma nova ideia para a justiça criminal e de uma nova feição para as políticas públicas de Justiça.

De par com outras iniciativas recentes no âmbito da recuperada aposta na promoção das modalidades extrajudiciais de resolução de conflitos, mais rápidas e económicas, como a criação de centros de mediação e arbitragem em matéria laboral e hospitalar, a oferta de mediação penal vai assinalar a efectiva chegada a Portugal do primeiro dos instrumentos da chamada Justiça Restaurativa.

Afirmada como teoria há pouco mais de uma década e rapidamente consagrada na Europa e na América do Norte, a Justiça Restaurativa prefere considerar e valorizar a infracção criminal mais como uma ofensa contra a pessoa directamente atingida e contra o círculo familiar e social imediato desta e do autor do delito e menos como uma ofensa à ordem legal estabelecida pelo Estado.

Daí que, por contraste com a concepção tradicional que ignora ostensivamente a vítima para se concentrar na actuação sobre o infractor e na intervenção de um pesado, moroso e dispendioso aparelho de poder, com polícias, investigadores criminais, magistrados, advogados, guardas prisionais e afins, a Justiça Restaurativa dedica a atenção principal à pessoa atingida e ao seu sofrimento, concedendo-lhe o papel mais importante nos procedimentos consequentes da prática do crime.

A mediação penal - necessariamente voluntária e obviamente não aplicável a todos os tipos de crime - como processo informal e flexível que proporciona o diálogo directo entre arguido e ofendido, apoiados por uma terceira pessoa imparcial na tentativa de compreensão e responsabilização sobre o sucedido e na busca de um acordo que, por meios e modos nem sequer rígidos e pré-determinados, permita a reparação dos danos causados e contribua para a restauração da paz social, dá à vítima o estatuto de verdadeira parte principal com participação activa e decisiva.

A Justiça Restaurativa mostra, assim, uma outra face possível da Justiça, que prefere as ajudas ao castigo e que se concebe primordialmente como dever e não como poder. E, já agora, que torna realmente os cidadãos mais iguais, próximos e solidários, o que, naturalmente, até aponta para uma aprovação parlamentar por unanimidade."

in Diário de Notícias

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