domingo, maio 28, 2006
Juízes sempre em jogo
Da presidência de uma associação, à administração de um condomínio; de ministro de uma igreja, a bombeiro. Aos juízes tudo é permitido, desde que não celebrem um contrato de trabalho por escrito e desde que a actividade em causa passe por uma mera ocupação de tempos livres.
A análise é feita pelo juiz do Porto Paulo Ramos de Faria e baseada numa deliberação do Conselho Superior da Magistratura (CSM) de Março do ano passado.
Nesse parecer, o CSM refere que “os juízes em exercício podem desempenhar outras actividades, desde que de natureza não profissional e não remuneradas”. E mais. Deixa claro que os magistrados podem integrar, como árbitros, a Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e do Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol, desde que não sejam remunerados para o efeito – podendo, contudo, ser reembolsados das despesas que efectuem.
POSIÇÕES CONTRÁRIAS
A discussão tem décadas e é tudo menos consensual. A ligação dos juízes ao mundo desportivo mais parece um jogo de futebol, onde os adeptos das equipas adversárias analisam precisamente a mesma jogada sob um prisma completamente diferente.
Acenando com a Constituição e com o Estatuto dos Magistrados Judiciais, há quem defenda uma proibição quase total do exercício de funções estranhas à judicatura e há quem entenda que os magistrados até poderiam ser remunerados pelo desempenho dessas funções.
(...)
CONSTITUCIONAL CHUMBOU LEI EM 1993
O Tribunal Constitucional chumbou, em 1993, uma lei da Assembleia da República que tentava proibir os juízes de exercer “funções estranhas” à judiciatura, não remuneradas.
Tal lei visava alterar o Estatuto dos Magistrados Judiciais, dando ao Conselho Superior da Magistratura a faculdade de proibir aos juízes o exercício dessas actividades, “quando, pela sua natureza, fossem susceptíveis de afectar a independência ou dignidade da função judicial”.
O Tribunal Constitucional lembra que os valores da independência e da dignidade da função judicial são relevantes constitucionalmente não podendo, por isso, ser limitados ou restingidos.
De acordo com o despacho, a norma aprovada em plenário, não só não tipificava as “actividades estranhas à função” que poderiam ser objecto de proibição, como se traduzia “numa mera previsão genérica habilitadora de decisões causísticas do Conselho Superior da Magistratura praticadas ao abrigo de poderes discricionários”.
Os juízes do Constitucional entenderam ainda que a lei em discussão era demasiado abrangente, incluindo desde actividades decorrentes da pertença a organizações religiosas e de caridade, a associações desportivas, recreativas e filantrópicas, ou até ao desempenho de actividades de criação artística.
“Ora, não se coaduna com a Constituição uma solução legal que confere tão ampla margem de poderes de compressão e restrição de direitos fundamentais dos juízes, enquanto cidadãos, a um órgão de natureza e vocação administrativa, como é o Conselho Superior da Magistratura”, lê-se na decisão.
Antes de se pronunciar pela inconstitucionalidade, o tribunal alertou ainda para a possibilidade de se criarem desigualdades entre juízes das diferentes ordens de tribunais.
O QUE DIZEM OS MAGISTRADOS
"SOU JUIZ A 100%" (Pedro Mourão)
O desembargador Pedro Mourão não sente a sua ética profissional beliscada por integrar o Conselho Disciplinar da Liga de Clubes. “Sou juiz a 100%”, diz, frisando que os magistrados não são “extraterrestres.” “Vivemos neste planeta e podemos integrar os órgãos sociais de qualquer associação ou agremiação.”
"SERVEM DE CAUÇÃO" (António Martins)
O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, António Martins, é “absolutamente contra a participação dos magistrados nos órgãos sociais das estruturas desportivas. “Os juízes não podem servir de caução em órgãos cuja actuação lança dúvidas. Não podem hipotecar o seu capital de prestígio”.
"É CONTRA TUDO" (Maria José Morgado)
“É contra tudo”, diz a procuradora Maria José Morgado, do Tribunal da Relação de Lisboa. “A Constituição proíbe o exercício de funçoes jurisdicionais fora dos tribunais, mesmo sendo gratuitas”, refere, acrescentando que mesmo esse facto não quer dizer nada: “Haverá sempre a tentação de contrapartidas veladas.”
NOTAS
(...)
CONSTITUIÇÃO
Diz a Constituição no seu artigo 216.º, n.º 3 (correcção nossa) que “os juízes em exercício não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada, salvo as funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, não remuneradas, nos termos da lei”.
ESTATUTO
O estatuto dos magistrados judiciais também é claro sobre esta matéria no artigo 13º nº1: “Os magistrados judiciais, excepto os aposentados e os que se encontrem na situação de licença sem vencimento de longa duração, não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada de natureza profissional, salvo as funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, não remuneradas, e ainda funções directivas em organizações sindicais da magistratura judicial”.
Texto integral da notícia em Correio da Manhã
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