terça-feira, maio 09, 2006
Entrevista ao Bastonário Rogério Alves
"Constrangimento inibe alguns advogados de exercerem determinados direitos".
Entrevista de 08 de Maio de 2006 do Bastonário Rogério Alves ao PUBLICO/Rádio Renascença.
Por Paula Torres de Carvalho e Raquel Abacassis
Há "campanhas maciças contra instrumentos essenciais da actividade dos advogados", hoje, em Portugal, considera o bastonário da Ordem dos Advogados, Rogério Alves, em entrevista ao PUBLICO/Rádio Renascença, na qual critica a "facilidade estonteante na forma como se processam advogados".
Muitas das dificuldades que bloqueiam o eficaz exercício da Justiça poderão ser ultrapassadas com as alterações que estão a ser introduzidas no Código do Processo Penal, considera Rogério Alves, defendendo "um caminho de simplificação processual" que passará pela necessidade de seleccionar as queixas crime que apresentem dignidade para se transformarem em processo.
PÚBLICO - No recente congresso dos advogados portugueses exprimiram-se receios quanto a uma crescente ameaça que pesa sobre o estatuto dos advogados que os consagra como homens livres. Qual é a sua opinião?
Rogério Alves - É de concordância absoluta com esses receios.
De que forma é que o estatuto estará ameaçado?
Infelizmente de várias formas. Um advogado tem de ser um homem livre naquilo que diz, no que requer e na forma como se insurge, como reclama e como protesta. Não pode ser mal-educado, mas tem de ser livre.
Independente?
Claro. Livre de falar sem medo. Aliás, a lei prevê um sistema de prerrogativas e imunidades para o advogado para que, justamente, o cidadão, quando quer falar através de um advogado, não fale através de uma pessoa que tem medo, ela própria, de ser punida, de ser castigada ou de sofrer qualquer tipo de represálias. E, hoje, o que se nota, é uma facilidade estonteante na forma como se processam advogados.
Essas queixas são apresentadas por cidadãos, por magistrados?
Muitas são apresentadas por cidadãos...
E por que motivo?
O motivo é avaliar-se uma afirmação de um advogado. Um exemplo, quando alguém decorre de uma sentença, é porque acha que a sentença não fez uma correcta aplicação do direito ou não fez um julgamento correcto dos factos ou ambas as coisas. Isto nunca pode ser entendido como uma ofensa a quem fez a sentença. E já aconteceu haver queixas contra advogados por expressões deste tipo pêlos próprios magistrados. Mas este é o aspecto menos grave desta ofensiva.
Está a dizer que os advogados se sentem constrangidos com este tipo de situações?
Começa a haver uma sensação de constrangimento que inibe alguns advogados de exercerem determinados direitos. Na globalidade, este problema seria, apesar de tudo, facilmente tratável. Agora, o que há é campanhas maciças contra instrumentos essenciais da actividade dos advogados.
Da parte de quem?
Às vezes, do poder político, da opinião pública. Por exemplo, os recursos que a nossa Constituição consagra como direito fundamental no processo criminal e, com maioria de razão, no processo civil, é uma forma de aperfeiçoar uma decisão.
Mas que também atrasa muitas decisões.
Se não houvesse recursos, se o julgamento demorasse dez minutos, era tudo rápido se não houvesse contraditório.
O que está em causa não é a existência de recursos, mas o uso abusivo dos recursos. Acha que há um excesso de garantismo em Portugal?
De maneira nenhuma. Isso é o sofisma do século. Excesso de garantismo não há, de maneira alguma. O que há, por vezes, é excesso de formalidades e nós somos os grandes defensores da informalidade.
Como é que se justifica que tenha havido prescrições de processos como o dos hemofílicos, da UGT ou do Fundo Social Europeu, ou em casos mais recentes, como o da criança que teve um acidente, caiu dentro do buraco de um esgoto, na rua e morreu e o julgamento que acabou dando razão à mãe da criança, foi anulado em consequência de um recurso?
As pessoas conhecem muitas outras realidades. Os clientes dos advogados, quando recebem uma decisão que consideram injusta, que pode ser a final do processo, querem recorrer. O problema existe é na lenta tramitação de recursos. Eu convido, nos processos que mencionou, a ir ver qual é a percentagem de atraso introduzida pelo recurso e a compará-la com a percentagem do tempo que demorou inquérito, onde os advogados não entram.
Então de quem é a responsabilidade desses atrasos, dessa morosidade?
Em Portugal há um volume inusitado de participações criminais, de acções cíveis, que é absolutamente desproporcionada para o parque judiciário instalado. Temos um processo completamente esclerosado. Não há ninguém que se bata como nós, Ordem dos Advogados, por simplificar um caminho que, muitas vezes, devia ser em linha recta e que a nossa lei obriga a que seja aos esses, às curvas, marcha atrás. Há fases de inquérito e de instrução que demoram anos.
Está a dizer que a "culpa" é da lei, é do sistema?
A culpa é do sistema que está desadequado. Mudou tudo, menos a lei processual.
Ainda recentemente assistimos à tentativa de interromper um julgamento muito mediático (o julgamento da Casa Pia) por um advogado ter levantado um incidente de recusa do juiz. Não é uma forma de atrasar um processo judicial?
Não podemos confundir duas coisas muito importantes. Uma coisa, são os mecanismos legais que a lei põe à disposição das partes. Outra, é a utilização que se possa fazer deles. A pergunta que se coloca é a seguinte: faz ou não sentido que na lei, existam os recursos que existem? Faz sentido. Faz ou não sentido que, na lei, exista a figura da recusa do juiz? Faz sentido.
Mas há ou não abuso desses instrumentos?
Quando há utilização indevida de meios processuais, esta deve ser sancionada, nomeadamente pêlos juízes. Portanto, uma coisa é o uso, outra é o abuso. O uso está bem estruturado na lei e de vê ser respeitado e cumprido sob pena de cortarmos fatias essenciais do sistema judicial adequado. Agora, não podemos é dizer que vamos acabar com as auto-estradas porque há muitos acidentes de viação ou que vamos acabar com os telemóveis porque podem provocar lesões auditivas.
Considera que muitas destas dificuldades podem ser ultrapassadas, agora, com a revisão dos códigos?
Espero que sim. Temos de empreender um caminho de simplificação processual. A caminhada de um processo no tribunal, aí é que está a via sacra. As pessoas queixam-se e com razão de uma enorme lentidão, mas queixam-se os advogados também. O advogado fica feliz quando há soluções para os problemas. Agora a pergunta é esta: Há prazos de prescrição no Código Penal. Devem ser abolidos? Claro que não. O Estado pode andar a julgar pessoas 30 anos depois do crime cometido? Claro que não. O Estado tem é obrigação de julgar dentro do prazo.
Fez sugestões de alterações a Rui Pereira [presidente da Unidade de Missão para a reforma dos códigos]?
Muitas. A Ordem dos Advogados participou nas unidades de missão de reforma penal, trabalhando, quer na reforma do Código Penal, quer na do Código do Processo Penal.
O que é preciso mudar?
É preciso ser mais criterioso na admissão de queixas, nomeadamente de matéria criminal. Hoje, tudo se transforma numa queixa, tudo se transforma num processo. Tem e haver mecanismos de selecção à entrada porque depois o Ministério Público está nas fases de inquérito atafulhado de processos. Tem de haver uma selectividade daquilo que tem dignidade para ser um processo criminal.
Fonte: Ordem dos Advogados
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