Medo. Foi o que "António", nome fictício, confessou ter sentido quando soube que ao fim de 25 anos pode vir a ter de trabalhar na rua outra vez. Integra o grupo dos cerca de 4800 agentes que prestam serviços de apoio na GNR e PSP e que, com a reestrutração das polícias, o Governo pretende que voltem a ser operacionais .
Com 25 anos de serviço na GNR, e 51 de vida, aquele soldado há mais de 20 que não sente o peso da sua arma. E já nem sabe onde guardou o bastão, confessa ao DN. "A minha acção, pela lei e pela grei, tem sido no serviço de intendência, a contar e a distribuir fardas", diz, admitindo sentir-se "em pânico". "Se for obrigado a fazer patrulha encosto-me a qualquer lado. Só me faltam dois anos para a reforma." "António" não tem vergonha de reconhecer que não se sente "minimamente preparado" para voltar a enfrentar o crime.
Os sindicatos do sector, contactados pelo DN, garantem que o "medo" deste soldado é partilhado pelos cerca de mil agentes da PSP e da GNR que trabalham em bares e cozinhas. Assim como pelos 250 que se dedicam à manutenção de instalações. Ou pelos 30 que só cortam cabelos, e ainda pelos 23 que só consertam calçado. "Muito entraram por cunha, outros porque na ficha de inscrição, antes do curso, se apresentaram como aprendizes de uma qualquer profissão na vida civil", conta "António".
No total, juntando os que exercem funções administrativas, são cerca de nove mil os agentes da PSP e da GNR (aproximadamente 20% do efectivo) que nunca saem à rua para exercer funções operacionais, segundo um estudo da empresa de auditoria Accenture para o Ministério da Administração Interna (MAI). Em remunerações, o custo daqueles nove mil efectivos ronda os 176 milhões de euros/ano - o Estado gastou cerca de 40 milhões na sua formação como polícias.
A 1 de Março, o Governo aprovou a intenção de passar 4800 elementos dos serviços de apoio para operacionais de rua, no âmbito da anunciada reforma das forças de segurança. Neste sentido, bloqueou a entrada a novos agentes nos próximos dois anos.
Pânico
O inspector-geral da Administração Interna, Clemente Lima, aconselha que se actue com cautela. "As confusões podem gerar desânimos", disse o inspector, admitindo que não vai ser fácil transformar em operacional um administrativo que sempre esteve atrás de uma secretária.
"Alguns guardas, em toda uma carreira na GNR, só foram mecânicos, pedreiros ou cozinheiros", referiu ao DN José Manageiro, presidente da Associação dos Profissionais da Guarda (APG). Hoje são variadas as tarefas de apoio logístico executadas na PSP e na GNR - em obediência ao princípio da auto-suficiência inerente às instituições com perfil militar. É o sapateiro, é o telefonista, é o soldado que só lava o cavalo do comandante e a respectiva cavalariça, é o motorista, o copeiro, os alfaiates, e, até, os impedidos. Esta última figura, que tem como única tarefa servir o chefe - levar o café, o jornal -, ainda vai sobrevivendo.
Toda esta gente não está minimamente preparada para voltar ao teatro de operações. Os sindicatos fa-lam em "pânico instalado".
"Há elementos que fizeram patrulhas um ano ou dois e estão há 20 à secretária", lembra o presidente da Associação Sindical dos Profissionais de Polícia (ASPP-PSP). Paulo Rodrigues defende que quem tenha 45 anos ou mais, e esteja em funções administrativas, não deve voltar ao trabalho de rua, o mesmo devendo suceder a quem está afastado do patrulhamento há 20 anos, embora com menos de 45 anos de idade.
José Manageiro, da APG, considera "um erro" o encerramento dos concursos. Em seu entender, "os que vão sair das secretarias não estão preparados para manter o nível de operacionalidade exigido à GNR".
Civis desempenham funções
O MAI tem já identificados seis mil postos de trabalho que podem ser desempenhados por civis sem formação policial ou militar. Para já, vão ser libertados 1800 efectivos que serão substituídos por civis do quadro excedentário da administração pública. Os restantes, até perfazer os 4800 anunciados, vão regressando à rua à medida que alguns dos serviços forem passando para outsourcing.
Assim, muitos dos actuais cozinheiros, mecânicos e sapateiros verão, em breve, os seus serviços prestados por empresas privadas, voltando a colocar o coldre e o bastão. Com ou sem medo.
Por Licínio Lima, in Diário de Notícias.
Com 25 anos de serviço na GNR, e 51 de vida, aquele soldado há mais de 20 que não sente o peso da sua arma. E já nem sabe onde guardou o bastão, confessa ao DN. "A minha acção, pela lei e pela grei, tem sido no serviço de intendência, a contar e a distribuir fardas", diz, admitindo sentir-se "em pânico". "Se for obrigado a fazer patrulha encosto-me a qualquer lado. Só me faltam dois anos para a reforma." "António" não tem vergonha de reconhecer que não se sente "minimamente preparado" para voltar a enfrentar o crime.
Os sindicatos do sector, contactados pelo DN, garantem que o "medo" deste soldado é partilhado pelos cerca de mil agentes da PSP e da GNR que trabalham em bares e cozinhas. Assim como pelos 250 que se dedicam à manutenção de instalações. Ou pelos 30 que só cortam cabelos, e ainda pelos 23 que só consertam calçado. "Muito entraram por cunha, outros porque na ficha de inscrição, antes do curso, se apresentaram como aprendizes de uma qualquer profissão na vida civil", conta "António".
No total, juntando os que exercem funções administrativas, são cerca de nove mil os agentes da PSP e da GNR (aproximadamente 20% do efectivo) que nunca saem à rua para exercer funções operacionais, segundo um estudo da empresa de auditoria Accenture para o Ministério da Administração Interna (MAI). Em remunerações, o custo daqueles nove mil efectivos ronda os 176 milhões de euros/ano - o Estado gastou cerca de 40 milhões na sua formação como polícias.
A 1 de Março, o Governo aprovou a intenção de passar 4800 elementos dos serviços de apoio para operacionais de rua, no âmbito da anunciada reforma das forças de segurança. Neste sentido, bloqueou a entrada a novos agentes nos próximos dois anos.
Pânico
O inspector-geral da Administração Interna, Clemente Lima, aconselha que se actue com cautela. "As confusões podem gerar desânimos", disse o inspector, admitindo que não vai ser fácil transformar em operacional um administrativo que sempre esteve atrás de uma secretária.
"Alguns guardas, em toda uma carreira na GNR, só foram mecânicos, pedreiros ou cozinheiros", referiu ao DN José Manageiro, presidente da Associação dos Profissionais da Guarda (APG). Hoje são variadas as tarefas de apoio logístico executadas na PSP e na GNR - em obediência ao princípio da auto-suficiência inerente às instituições com perfil militar. É o sapateiro, é o telefonista, é o soldado que só lava o cavalo do comandante e a respectiva cavalariça, é o motorista, o copeiro, os alfaiates, e, até, os impedidos. Esta última figura, que tem como única tarefa servir o chefe - levar o café, o jornal -, ainda vai sobrevivendo.
Toda esta gente não está minimamente preparada para voltar ao teatro de operações. Os sindicatos fa-lam em "pânico instalado".
"Há elementos que fizeram patrulhas um ano ou dois e estão há 20 à secretária", lembra o presidente da Associação Sindical dos Profissionais de Polícia (ASPP-PSP). Paulo Rodrigues defende que quem tenha 45 anos ou mais, e esteja em funções administrativas, não deve voltar ao trabalho de rua, o mesmo devendo suceder a quem está afastado do patrulhamento há 20 anos, embora com menos de 45 anos de idade.
José Manageiro, da APG, considera "um erro" o encerramento dos concursos. Em seu entender, "os que vão sair das secretarias não estão preparados para manter o nível de operacionalidade exigido à GNR".
Civis desempenham funções
O MAI tem já identificados seis mil postos de trabalho que podem ser desempenhados por civis sem formação policial ou militar. Para já, vão ser libertados 1800 efectivos que serão substituídos por civis do quadro excedentário da administração pública. Os restantes, até perfazer os 4800 anunciados, vão regressando à rua à medida que alguns dos serviços forem passando para outsourcing.
Assim, muitos dos actuais cozinheiros, mecânicos e sapateiros verão, em breve, os seus serviços prestados por empresas privadas, voltando a colocar o coldre e o bastão. Com ou sem medo.
Por Licínio Lima, in Diário de Notícias.
Sem comentários:
Enviar um comentário