segunda-feira, março 12, 2007

Alberto Costa: não se deve excluir acabar de vez com as férias judiciais


Alberto Costa acredita que as reformas se fazem avaliando e verificando se os cidadãos estão a ser mais bem servidos. Por isso, mesmo sem atribuir à modificação do regime das férias judiciais o principal mérito, o ministro da Justiça acredita que os problemas registados no primeiro ano de aplicação do novo regime derivam do natural período de adaptação.

Porque é que só agora, depois da 'gaffe' do indulto a um foragido, é que o Governo do "choque tecnológico" vai criar uma base de dados onde constem todos os mandados de captura?

Este episódio não é novo, houve um histórico de problemas anteriores, e fiquei surpreendido por ninguém antes ter tomado esta decisão. Por isso falei de uma base de dados relativa a mandados de captura, como a processos de inquérito e arguidos, como do acesso dos magistrados à base de dados do sistema prisional. O que é importante é, no rescaldo de algo que correu mal, tomar iniciativas que melhorem o sistema.

Está no Governo há dois anos e o problema já podia ter sido detectado. Sem essas bases de dados, é possível que alguém que tem um mandado de captura tome um avião e saia do país. Ou que Portugal não detecte a chegada de alguém perseguido noutro país. Isto não deixa os cidadãos tranquilos...

É preciso não esquecer que os mandados partem de mais de 300 tribunais e são enviados para as forças de segurança respectivas. E que estamos a lidar com uma situação com muitos anos, nalguns casos com mandados que foram sujeitos a reapreciações...

Mas é ou não um sinal do atraso tecnológico do sistema de justiça?

Temos problemas, não nego, mas em áreas como o tempo de criação de empresas fomos classificados entre os melhores pelo Banco Mundial.

Ainda há pouco foi dito num tribunal que, para fazer uma videoconferência com França, os franceses tiveram de passar para uma tecnologia de grau inferior para ser compatível, enquanto naquele tribunal só um funcionário sabia trabalhar bem com equipamento. Isto é o tipo de coisas que atrasam os julgamentos?

É verdade que às vezes há situações em que a actualização do equipamento não foi feita, mas infelizmente o dinheiro não chega para tudo. Em contrapartida, em tribunais como o de Vila Nova de Gaia já se procedeu à total desmaterialização das injunções [obtenção de um título executivo de cobrança de uma dívida, por exemplo]. Nalguns países da Europa, esta desmaterialização não está sequer a ser encarada. O mesmo se passa no domínio das certidões, onde desapareceram dezenas de situações em que eram necessárias...

Muitas eram verdadeiramente ridículas.

Concordo, mas o que era preciso era fazer, era mudar o que tinha anos, décadas, às vezes séculos. Não bastava identificar os problemas.

Assume-se, de forma política, que o nosso sistema é demasiado garantivista? Ou vai continuar a ser possível que um advogado experiente recorra a todo o tipo de truques, como o país viu no "caso" Casa Pia, para protelar os processos?

Num Estado de direito, as garantias devem ser mantidas e fortalecidas. O que não pode é resultar delas o arrastamento dos processos. O que este novo diploma pretende é encontrar um novo equilíbrio entre as garantias de defesa e o ritmo dos processos. Traz boas notícias e, por exemplo, introduz o conceito de declarações obrigatórias para memória futura. Os prazos são diminuídos, tal como os números de formalismos, que podem ser cortados para um terço.

A verdade é que a revisão da acção executiva para a cobrança de dívidas feita pelo ministro António Costa quando esteve na Justiça não teve efeito prático. Hoje o tempo médio de conclusão desses processos mantém-se nos três anos.

É verdade que foi posta em prática sem existirem as condições legislativas, tecnológicas, de número de juízes, para que tivesse logo o efeito desejado. Mas os números do ano passado já são melhores e comparam-se positivamente com todos os anos da última década.

Vamos então à questão dos números. Disse que o "monstro" estava controlado, quando na verdade falamos de uma redução de 0,4 por cento dos processos pendentes, menos de 7 mil processos num universo de 1,7 milhões. Para quem está à espera de justiça, é quase ofensivo falar de vitória...

O que se passava antes é que o número de processos não diminuía, antes estava a crescer à razão de 120 mil por ano. Isto é que é significativo.

O que levantou maior polémica foi associar essa redução à modificação do regime das férias judiciais...

Isso não é verdade, é um erro de leitura. Foram apresentadas sim as 12 medidas que tinham produzido esse efeito.

Como retirar dos tribunais muitos processos que os entupiam.

Sim.

Falamos de medidas como descriminalizar a passagem de cheques até 150 euros, extinguir as acções executivas por dívidas de custas judiciais ate 400 euros ou desistir de acções pendentes nos tribunais em troca de benefícios fiscais...

... ou ainda a reformulação do regime de pagamento dos prémios de seguro que permitiu que dezenas de milhares de processos deixassem de entrar nos tribunais. Outra medida foi passar para os tribunais das comarcas dos consumidores os processos de dívidas por falta de pagamento de serviços, o que reduziu muito a sua entrada nos tribunais de Lisboa e do Porto, onde se concentravam dois terços deles.

E como interpreta essa diminuição? Foram os operadores que desistiram de iniciar acções em tribunais longínquos? Se assim foi, ficam a arcar com a dívida e ainda pagam IVA e IRC sobre receitas que não tiveram. Isso é justo? Isso promove o desenvolvimento económico?

É verdade, essa é uma das hipóteses. Por isso foi modificado o regime da incobrabilidade para evitar situações como a descrita. E, como tínhamos consciência do problema, fizemos uma reunião com os 20 maiores fornecedores de serviços para discutir soluções. Equacionámos sistemas mais expeditos e vamos proximamente apresentar soluções legislativas para esse tipo de problemas. No domínio da acção executiva, por exemplo, vamos propor a criação de entidades alternativas para lidar com situações que hoje estão entregues aos tribunais.

O Conselho Superior de Magistratura criticou o regime das férias judiciais, que as restringiu a Agosto, tentando meter o Rossio na Betesga. Como encara a proposta do CSM de alargar as férias a 15 de Julho?

Essa lei não considerou como férias judiciais apenas o mês de Agosto. Também incluiu os períodos adjacentes ao Natal e à Pascoa. O que se dizia era que devia ser nesses períodos que os agentes do sistema judicial deviam gozar as suas férias. Não falou apenas no mês de Agosto. Este panorama ainda só rodou uma vez...

E não muito bem, pois o CSM diz que a produtividade nesse período caiu para quase metade.

É natural. Se o sistema estava habituado a um sistema, que vinha desde as ordenações afonsinas, de dois meses de paragem no Verão e agora passou para um mês, teria sempre de haver um período de ajustamento. Estou convencido de que, tal como o anterior sistema rodava sem problemas, o novo sistema também acabará a rodar sem problemas. Repito que o que se pretendeu foi que o sistema não tivesse dois meses de paragem no Verão. Mudar após apenas um ano de rodagem não seria de bom aviso.

Por essa lógica, e falando do lado dos cidadãos, porque se manteve mesmo assim um mês de férias fixas? Porque não acabou pura e simplesmente com as férias judiciais, como sucede noutros países europeus?

Na Europa temos os dois modelos e optámos por este. Num processo destes o essencial é caminhar e medir. E avaliar e verificar se os cidadãos ficam mais bem servidos. As grandes mudanças requerem aprendizagens.

Não exclui pois eliminar o período fixo de férias?

Essa é uma solução existente noutros países e nós estamos atentos a essas experiências.


Por José Manuel Fernandes e Raquel Abecasis (Rádio Renascença), in PUBLICO.PT

Sem comentários: